Saiba mais sobre a aplicação da lei penal no tempo

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Aplicação da lei penal no tempo

Já falamos anteriormente sobre a aplicação da lei penal no tempo aqui no blog do Master Juris. Vejamos agora com maior detalhamento tudo o que temos a falar do instituto.

Para aplicarmos uma lei penal, devemos saber quando é o tempo do crime, pois ela não pode ser utilizada para os crimes cometidos antes de sua entrada em vigor.

O tempo do crime é regulado pelo artigo 4° do Código Penal, o qual determina a aplicação da teoria da atividade:

Tempo do crime
Art. 4º - Considera-se praticado o crime no momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o momento do resultado.

Novatio legis in pejus

Uma lei penal não pode ser aplicada a um crime praticado antes dela entrar em vigência. O mesmo se aplica a uma lei nova que prejudica a situação do réu, a denominada lex gravior, ou novatio legis in pejus: ela não retroage, não podendo, em regra, ser aplicada aos crimes já cometidos. Como veremos, contudo, existem algumas exceções.

Novatio legis in pejus = lex gravior

Os crimes, quanto ao tempo do cometimento, podem ser instantâneos, permanentes, habituais ou continuados (ou de continuidade delitiva). Essa diferenciação é importante para saber como ocorrerá a aplicação da lei penal. Vejamos cada um deles:

  1. Crime instantâneo: é aquele que se consuma com a realização de determinada conduta, sem que haja prolongamento no tempo do mesmo (ex.: roubo);
  2. Crime permanente: é aquele que é considerado em consumação por um período de tempo, pois sua conduta se prolonga pelo tempo em que o mesmo é cometido (ex.: sequestro);
  3. Crime habitual: é a prática de uma conduta isoladamente considerada, ou seja, que não importa de imediato para o direito penal, mas que se reitera no tempo, passando a ser relevante para o direito penal (ex.: exercício ilegal da medicina);
  4. Crime continuado: conforme definição contida no art. 71 do Código Penal, o crime continuado são dois ou mais crimes que, no momento da definição da pena, serão considerados, por ficção jurídica, um único crime. O crime continuado, portanto, é um benefício, pois o agente responderá por um único crime com a pena aumentada de 1/6 a 2/3.

Crime continuado
Art. 71 - Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subseqüentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços.

OBSERVAÇÃO: quanto ao crime habitual, é importante notar que, apesar dele se prolongar no tempo, é um crime único.

Ainda quanto ao crime continuado, a doutrina diverge sobre a expressão “crimes da mesma espécie”. Para uma corrente, são aqueles crimes que ofendem o mesmo bem jurídico. Assim, como os crimes de homicídio, instigação a suicídio, infanticídio e aborto ofendem o bem jurídico “vida”, seriam da mesma espécie.

Para outra corrente, no entanto, crimes da mesma espécie são aqueles previstos no mesmo tipo penal, ou seja, no mesmo artigo da lei. Para esses, portanto, se o agente criminoso pratica um homicídio e depois um aborto, apesar de ofenderem a vida, não haverá continuidade delitiva, pois cada conduta é delito autônomo.

Antes de continuarmos, vejamos dois casos específicos sobre crimes continuados:

  1. Apropriação indébita previdenciária (art. 168-A) e sonegação de contribuição previdenciária (art 337-A): o Superior Tribunal de Justiça declarou que, apesar de estarem em artigos distintos, são crimes da mesma espécie, pois ofendem o mesmo bem jurídico, qual seja, o patrimônio de autarquia previdenciária. Nesse caso, portanto, se adota a primeira corrente.
  2. Roubo (art. 157, caput) e latrocínio (art. 157, §3°, in fine): segundo entendimento do Superior Tribunal de Justiça, apesar de estarem previstos no mesmo tipo penal, não são crimes da mesma espécie.

Vejamos agora alguns exemplos de aplicação da lei penal no tempo para cada um dos tipos de crime:

  1. Instantâneo: no dia 5 o sujeito ativo desfere tiros contra a vítima, que vem a morrer no dia 10. No dia 8 surge uma lei que prejudica a prática da conduta. Nos termos do artigo 4° do Código Penal, o crime foi cometido no dia 5, não importando o dia em que a vítima morreu. Logo, o réu deve ser julgado nos termos da lei anterior.
  2. Permanente: no dia 5, uma criança é sequestrada na porta de sua escola. No dia 10 houve a libertação da vítima. No dia 8 surge uma lei que prejudica a prática da conduta. A lex gravior é aplicável, não se considerando que houve retroação da mesma, pois quando ela entra em vigor, a conduta ainda está sendo praticada pelo agente criminoso. Só se poderia falar em retroatividade se o sequestro tivesse terminado antes da entrada em vigor da referida lei, o que não aconteceu no exemplo.
  3. Habitual: uma mulher abre uma casa de prostituição no ano 2000 e continua abrindo a mesma, diariamente, até o ano de 2020. No ano de 2016 surge uma lei que prejudica a prática da conduta. A lex gravior é aplicável à conduta, pela mesma razão anterior.
  4. Continuado: uma pessoa comete um furto no dia 5; depois outros, nos dias 8, 12, 17, 19, 20, 22, 25 e 29 do mesmo mês. No dia 21 surge uma lei que prejudica a prática da conduta. Em teoria, esse caso é complexo. A lex gravior, em tese, não pode ser aplicada aos crimes cometidos antes do dia 21, senão estaria havendo retroatividade dela e o acusado estaria sendo prejudicado. Contudo, nos termos do artigo 4° do Código Penal, a lei a ser aplicada será a vigente ao tempo da cessação da atividade criminosa. Assim, será aplicada a lex gravior ao criminoso, nos termos do artigo 70 do Código Penal.

A Súmula 711 reitera o que foi explicado a respeito do crime continuado:

Súmula 711. A lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao crime permanente, se a sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou da permanência.

No caso do crime continuado, não se pode dizer que a aplicação da lex gravior o prejudique. E isso é fácil de conferir na prática: se cada conduta praticada fosse somada individualmente para fins de pena, não havendo aplicação do artigo 71 do Código Penal, o criminoso seria condenado a uma pena muito maior. Apesar de se aplicar a teoria da ficção jurídica ao crime continuado, considerando-se que todas as condutas perpetradas são um crime só, a lex gravior continua sendo mais favorável ao agente, pois a ele será imputada uma pena menor do que se somadas todas a de todas as condutas perpetradas.

Ou seja, ao crime continuado, a aplicação da lex gravior é benéfica ao criminoso.

Há ainda que se diferenciar o crime habitual do crime habitual impróprio:

  1. Crime habitual (propriamente dito): cada uma das condutas praticadas pelo sujeito, se isoladamente consideradas, são consideradas fatos atípicos. Quando há reiteração de cada uma delas, fica constituído o crime, que é único.
  2. Crime habitual impróprio: um único ato praticado já configura crime; no entanto, o cometimento de vários atos isolados não indica condutas autônomas, mas sim a perpetração do mesmo crime. Logo, no crime habitual impróprio não se analisa se há continuidade delitiva, pois todos são considerados um único crime. Ex: Crime de gestão fraudulenta (art. 4°, Lei nº 7492/86), que é marcada por uma série de atos isolados que podem ser caracterizados como condutas fraudulentas.

Art. 4º Gerir fraudulentamente instituição financeira:
Pena - Reclusão, de 3 (três) a 12 (doze) anos, e multa.

No caso de um crime habitual impróprio, havendo a entrada de uma lex gravior enquanto o mesmo está sendo praticado, haverá aplicação da lei nova.

Novatio Legis in Mellius

No estudo da aplicação da lei penal no tempo, a novatio legis in Mellius, ou lex mitior, é a lei que beneficia. Além de beneficiar, ela é extrativa, ou seja, tem aplicação fora dos limites da sua vigência, tanto para momentos passados (retroatividade) quanto para momentos futuros (ultratividade).

Para melhor explicação, considere os dois exemplos:

  1. Foi praticado um crime na vigência da lei X. Depois, entra em vigor uma lei Y. X é mais grave que Y, ou seja, Y é benéfica. Assim, Y retroage, alcançando o crime cometido sob a vigência da Lei X.
  2. Um fato foi praticado sob a vigência da lei Y, mas o julgamento se deu na vigência da lei Z, que entrou em vigor depois daquela. Se a lei Z é mais grave que a Y, ela não vai retroagir, ou seja, é irretroativa, não podendo ser aplicada para alcançar o crime que fora cometido antes de sua vigência. Y, portanto, será utilizada de forma Ultrativa.

Lei excepcionais

As leis excepcionais são leis ultrativas, independentemente de beneficiarem ou não o réu, nos termos do artigo 3° do Código Penal:

Art. 3º - A lei excepcional ou temporária, embora decorrido o período de sua duração ou cessadas as circunstâncias que a determinaram, aplica-se ao fato praticado durante sua vigência.   (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 1984)

As leis excepcionais são aquelas editadas para situações excepcionais, que demandam a edição de uma lei para coibir certas condutas. Logo, elas só devem ter existência enquanto a situação excepcional que a determinou não cessar.

Elas também são denominadas “leis autorrevogáveis”, pois têm data de entrada em vigor e de fim do mesmo.

Toda lei excepcional é temporária. Contudo, a título de terminologia, o nome “lei temporária” é utilizado para as leis que têm data de início e de fim (ou seja, são as leis autorrevogáveis); as denominadas “leis excepcionais”, que também foram feitas para situações temporárias, são editadas para uma situação de emergência, como uma guerra. Portanto, uma lei penal feita para o período das Olimpíadas é temporária, pois os dias de início e fim são claramente estabelecidos. Contudo, uma lei penal feita para uma guerra é excepcional, pois por mais que se saiba o dia de entrada em vigor da mesma, não se sabe até quando a guerra vai durar, só se sabe que ela vai acabar um dia (sendo, portanto, de aplicação temporária).

Exemplifiquemos ainda mais: uma Lei temporária teve vigência entre os meses de janeiro e abril de um ano e estabeleceu toque de recolher. Em julho do mesmo ano, o Ministério Público recebeu documentos comprovando que Z, em fevereiro, saiu depois do toque de recolher. A lei não estava em vigor no momento da descoberta, mas o Ministério Público poderá pedir a aplicação da lei temporária para que seja reconhecido o crime cometido por Z.

Em regra, leis excepcionais não se submetem a abolitio criminis. Logo, são aplicadas às situações que lhes deram causa mesmo depois de revogadas, ou seja, há ultratividade.

Pode-se, no entanto, citar uma exceção às normas excepcionais: suponha que o país está em guerra e edita uma lei A tipificando certa conduta e atribuindo a ela a penalidade entre 5 e 10 anos; ainda no decorrer da guerra, o Estado diminui a penalidade da mesma conduta, de 2 a 5 anos. Ambas as leis são temporárias, pois feitas em período de guerra. Se um sujeito pratica a conduta ao tempo da primeira lei, a segunda lei irá favorece-lo, pois a segunda lei é retroativa.

Do mesmo modo, se a segunda lei fosse uma abolitio criminis que entrou em vigor no período de guerra, o sujeito não seria condenado por nenhum crime.

No caso, houve mudança da concepção estatal do mesmo fato, não foi o fato que mudou, pois ainda se está em período de guerra.

Abolitio criminis

Quando uma lei deixa de considerar uma conduta tipificada como criminosa, temos, em relação à aplicação da lei penal no tempo, uma causa extintiva da punibilidade, a abolitio criminis, nos termos do art. 107, III, do Código Penal:

Extinção da punibilidade
Art. 107 - Extingue-se a punibilidade: [...]
III - pela retroatividade de lei que não mais considera o fato como criminoso;

A abolitio criminis, portanto, é a melhor hipótese de lex mitior, pois desconsidera uma conduta que antes criminosa. Ela também revela uma mudança no pensamento estatal quanto a determinado assunto. Foi o que aconteceu com o adultério, que era considerado crime e deixou de ser (apesar de continuar existindo).

Um exemplo é o adultério, que era crime previsto no artigo 240 do Código Penal e foi revogado, não havendo mais previsão da conduta como tipo penal em nenhuma outra norma.

A abolitio criminis só pode ser criada por lei, pois os crimes são tipificados por lei, e se aplica aos processos transitados em julgado e aos que estão em trânsito, pois melhoram a situação do réu.

O que acontece com a abolitio criminis é diferente do que acontece com as leis excepcionais ou temporárias: quando estas são revogadas, não foi o Estado quem mudou sua maneira de pensar, foi o fato que mudou, pois não há mais a situação excepcional que justificou suas criações.

IMPORTANTE! Se a conduta revogada está prevista em outra norma que não foi revogada, não há abolitio criminis. Ex.: o artigo 319 do Código Penal, que tratava da conduta de rapto de mulher honesta para fins libidinosos, foi revogada; no entanto, não houve abolitio criminis, pois privar alguém de sua liberdade continua sendo crime, especialmente se com intenção libidinosa, que é uma qualificadora:

Seqüestro e cárcere privado
Art. 148 - Privar alguém de sua liberdade, mediante seqüestro ou cárcere privado:     
Pena - reclusão, de um a três anos.
§ 1º - A pena é de reclusão, de dois a cinco anos: [...]
V – se o crime é praticado com fins libidinosos.

Logo, como a conduta do artigo 319 continuou prevista em outra norma não revogada, não houve abolitio criminis.

Normas mistas ou híbridas

São normas de cunho processual e penal ao mesmo tempo. A norma processual, diferente da penal, não retroage para beneficiar o criminoso. Sua aplicação, portanto, é imediata.

Existem normas processuais penais, no entanto, que refletem sobre os direitos e garantias fundamentais. Ou seja, são normas materiais e processuais. Parte da doutrina diz que essas normas se submetem à retroatividade, só havendo aplicação imediata das que são puramente processuais.

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