Pequeno Dicionário da Lei

Poucos termos relacionados com a cultura jurídica são mais difundidos do que a palavra “lei”. Isto se deve ao fato de que a noção de lei precede a própria ideia de Direito. Vale lembrar que as “leis divinas”, a “lei natural”, as “leis das 12 Tábuas” e inúmeros outros conceitos envolvendo a palavra lei são muito anteriores à positivação do Direito tal como o conhecemos hoje.

Charge em dois quadros. No primeiro quadro, o homem lê um pedaço pequeno de papel onde está escrito "a lei é para todos!". No segundo quadro, continua dizendo "Exceto...", referindo-se às inúmeras exceções a preceitos de lei existentes na legislação.
Duke. Charge do Jornal "O Tempo", de 22/01/2018.

Por isto mesmo, a palavra “lei” está tão difundida e arraigada em nossa cultura, indo muito além do mero termo jurídico técnico. Há as leis da física, sendo as mais conhecidas as Leis de Newton e a Lei da Gravidade. Também se multiplicam os ditados populares que envolvem o termo: “aos amigos do rei, as benesses da lei”. Inúmeras outras expressões cotidianas e títulos de obras de arte, filmes, séries e músicas envolvem a conhecida palavra (“Lei e Ordem”, Lei de Murphy, Lei do Retorno).

Como já estamos cansados de saber, a lei é a fonte primária do Direito e, por esta mesma razão, seu uso no vocabulário jurídico é muito extenso. A palavra – tão genérica – vem frequentemente acompanhada de adjetivos que buscam lhe dar algum recorte ou sentido específico, a depender de qual área, função ou objetivo estamos falando. Com isso, a conhecida e amigável palavra “lei” se multiplica em uma sopa de “leis complementares”, “leis extravagantes”, “leis declarativas”, “leis orgânicas” e uma infinidade de outras classificações que as bancas de concurso ADORAM explorar. Afinal, é fácil confundir “lei declarativa” com “lei dispositiva” na correria do estudo e na hora da prova.

Pensando nisso, e considerando que 10 de julho é o Dia Mundial da Lei, trouxemos algumas destas classificações, junto com alguns exemplos de questões de prova para que você jamais esteja (por) fora da lei.

Lei adjetiva

Lei formal, lei processual. Veja o enunciado desta questão da CESPE sobre direito processual penal que cita apenas “lei adjetiva”:

“Os prazos determinados pela lei adjetiva penal para o edital de citação levam em conta a menor ou maior dificuldade do acusado de tomar conhecimento dele. Assim, estabelece o prazo de cinco dias quando o acusado se ocultar ou opuser obstáculo para não ser citado; de quinze dias, quando não for encontrado; de vinte dias, quando estiver em lugar incerto ou não sabido; de vinte a noventa dias, a critério do juiz, quando incerta a pessoa que tiver de ser citada.”

Pelo contexto compreende-se que se trata da lei processual penal, mas o candidato que não tem certeza deste sinônimo pode ficar na dúvida e perder minutos preciosos.

Lei “ainda constitucional”

A lei “ainda constitucional”, ou “inconstitucionalidade progressiva”, ou “declaração de constitucionalidade de norma em trânsito para a inconstitucionalidade”, é a lei que é constitucional enquanto perdurar determinada circunstância, porém, quando essa circunstância de fato não mais se verificar, essa norma (sem rigor técnico) será tida por inconstitucional.

Lei Autorizativa

Em regra, as leis autorizativas carecem de valor normativo em sentido substancial, enquanto se limitam a dar vida a uma relação entre o legislador e outro órgão da Administração ou a uma entidade pública, para permitir o desenvolvimento de uma atividade ou prática de ato de gestão extraordinária, ou seja, ato de competência do órgão ou entidade autorizada, mas dependente de autorização legislativa.

A Constituição prevê algumas hipóteses de leis autorizativas. Assim é que só por lei específica pode ser autorizada a instituição de empresa pública, de sociedade de economia mista e de fundação, assim como depende de autorização legislativa, em cada caso, a criação de subsidiárias das empresas públicas e sociedades de economia mista (art. 37, XIX, e XX). Além desses casos, é necessário autorização legislativa para a alienação de bens imóveis pelo Poder Executivo e para alguns tipos de extinção de concessões de serviços públicos. A Lei de Orçamento Anual tem muito da natureza de lei autorizativa.

A CESPE considerou correto o seguinte enunciado: Na extinção da concessão de serviço público por encampação, a retomada do serviço pelo poder concedente se dá por motivo de interesse público, necessariamente mediante lei autorizativa específica.

Lei Cogente

É aquela que impõe uma ação ou omissão, sendo o oposto das leis dispositivas, que são optativas.

A banca da prova de Procurador de Maringá de 2015 considerou correta a seguinte assertiva: ”A ordem pública imprime o seu caráter de lei cogente, possibilitando que o caráter geral e o interesse social predominem sobre os interesses individuais, de tal forma que limita a autonomia da vontade das partes, da liberdade de contratar aos parâmetros estritos da lei.”

Lei Complementar

Preceito legal destinado a completar a Constituição, sem, contudo, alterá-la. É a própria Carta Magna que determina a complementação de seu texto por esta espécie de lei. Será aprovada apenas por maioria absoluta. Não havendo o que completar, não há que se falar em lei complementar. Vale lembrar que não há hierarquia entre lei complementar e lei ordinária, apenas um quórum especial para aprovação da lei complementar, que tem suas matérias definidas pela própria Constituição.

Neste sentido, a banca IBADE considerou correta a seguinte afirmativa: Lei Complementar apresenta o mesmo processo legislativo da lei ordinária, com exceção do quórum, pois o artigo 69 da CF exige maioria absoluta. A matéria reservada à lei complementar não pode ser veiculada por medida provisória, tampouco por lei delegada, dessa forma, deve ser exclusiva.”

Por outro lado, a mesma banca considerou errada a seguinte assertiva: “a lei ordinária é de hierarquia inferior às emendas constitucionais”. Muita gente caiu na casca de banana! Não há hierarquia entre lei ordinária e complementar, apenas diferença de quórum e matérias.

Lei Declarativa

É a lei com diretrizes interpretativas para outro texto de lei.

Lei Delegada

Lei elaborada pelo Presidente da República mediante delegação do Poder Legislativo. As leis delegadas podem ser alteradas ou revogadas.

O Congresso Nacional não poderá delegar para o Presidente da República a atribuição de elaboração de leis que versem sobre as seguintes matérias: competência exclusiva do Congresso Nacional ou privativa de suas casas legislativas; matéria de lei complementar; organização dos Poderes, nacionalidade; cidadania; direitos individuais, políticos e eleitorais; planos plurianuais, diretrizes orçamentárias e orçamentos.

Neste sentido, a FCC, em prova para Promotor de Justiça de Alagoas, considerou correta a assertiva “Leis delegadas não podem versar sobre nacionalidade, cidadania, direitos individuais, políticos e eleitorais.”

Lei Dispositiva

As que não ordenam nem proíbem, com antecedência, ações ou omissões, limitando-se a facultar ou reconhecer a existência de direitos, que serão exercidos conforme a vontade do seu titular. É o caso de algumas disposições sobre contratos no Código Civil e Código de Processo Civil. A lei prevê algumas disposições que podem ser afastadas pelo Contrato, como a eleição de foro de legislação.

Lei Excepcional ou Temporária

É aquela que visa solucionar situações anormais do Estado, ainda que derrogando alguns direitos e garantias do cidadão, como ocorre no estado de sítio. Mesmo decorrido o período de sua duração ou cessadas as circunstâncias que a determinaram, ela se aplica ao fato praticado durante a sua vigência.

Neste sentido a banca do concurso para Promotor de Justiça de Minas Gerais considerou correta a alternativa “A” da seguinte questão:

Sobre a Lei Penal Temporária ou Excepcional, é CORRETO afirmar

A) Aplicar-se-á aos crimes praticados no período em que esteve em vigor, embora decorrido o prazo de sua duração ou cessadas as circunstâncias que a determinaram, mesmo que ainda não tenha sido instaurada a ação penal.
B) Se a sua vigência cessar no curso da execução penal, considera-se o sentenciado beneficiário de anistia, ficando excluídos todos os efeitos da decisão condenatória, inclusive o de servir de pressuposto para a reincidência.
C) Aplica-se aos fatos ocorridos em data anterior à sua entrada em vigor, pois sendo lei excepcional é dotada de ultra-atividade, devendo retroagir para atender à proteção do bem jurídico almejada com a sua edição.
D) Se cessar sua duração no curso da ação penal, o réu deverá ser absolvido porquanto o fato será atípico, visto que a lei penal incriminadora foi banida pela abolitio criminis.
E) Considerando-se que o direito penal adota a teoria da ubiquidade, cessada a vigência da lei excepcional, o agente somente será responsabilizado se a infração penal inserir-se no conceito dos crimes habituais, pois a conduta teve início quando ela era vigente e perdurou após sua revogação.

Lei Extravagante

Aquela que não faz parte de um código; isolada.

Leis de Luta ou Combate

As leis de luta ou de combate são decorrentes do Direito Penal do Inimigo e correspondem às normas que relativizam os direitos e garantias dos acusados. Referidas normas, em regra, são editadas após situações traumáticas vivenciadas pela coletividade, sendo “leis de ocasião”. A doutrina cita como exemplos a Lei dos Crimes Hediondos, a Lei do Crime Organizado e o Regime Disciplinar Diferenciado.

Lei Marcial

É aquela posta em vigor com o objetivo de determinar as punições dos infratores militares durante a guerra.

Lei Nacional

É importante que saibamos a diferença entre lei nacional (aplicável a todos os entes federativos) e lei federal (aplicável apenas à União). Vejamos dois exemplos: 

A Lei nº 8.112/90 trata do regime jurídico dos servidores públicos federais. Trata-se de lei federal, uma vez que aplicável apenas à União.  

A Lei Complementar nº 150/2015, por sua vez, versa sobre a aposentadoria compulsória dos servidores públicos de todos os entes da federação (União, Estados, Distrito Federal e Municípios). Trata-se, portanto, de lei nacional.  

Cabe destacar que as regras constitucionais sobre repartição de competências é que definem se uma lei será federal ou nacional e não é a própria lei que tem o papel de fazer esta diferenciação. Neste sentido, a CESPE considerou errada a seguinte afirmativa, em prova para Procurador do Estado: “A incidência de lei emanada da União é determinada na própria lei, independentemente das regras constitucionais federais sobre repartição de competências: é a previsão na própria lei, quando de sua edição, que determinará se ela se aplicará aos demais entes federativos (lei nacional, portanto) ou apenas à União (lei federal, por conseguinte).”

Lei Natural

As leis naturais são um conjunto de postulados morais baseados na ideia de que existem normas e direitos que já nascem incorporados ao homem, como o direito à vida. São leis que buscam fundamento no bom senso, na racionalidade, na equidade, na igualdade, na justiça e no pragmatismo.

Lei Orçamentária

É lei de iniciativa do Poder Executivo e compreenderá o orçamento fiscal referente aos poderes da União, o orçamento de investimento das empresas da União e o orçamento da Seguridade Social. A Constituição Federal prevê seus critérios e encaminhamento.

Lei Ordinária

É o tipo de lei mais comum, que cabe residualmente nos casos em que não se trata de matéria específica de Emenda Constitucional ou Lei Complementar. Lei elaborada pelo Legislativo e sancionada pelo Executivo. Lembrando que não há hierarquia entre lei ordinária e lei complementar

Lei Orgânica Municipal

É a lei de organização dos Municípios. Há uma controvérsia sobre sua natureza jurídica, que é sui generis. Possui conteúdo de natureza constitucional, Apesar de não ser uma Constituição strictu sensu, porque o Município não detém Poder Constituinte e sua autonomia é mitigada, não absoluta, conformada pela Constituição Federal e do Estado. De acordo com a Constituição Federal a Lei Orgânica dos Municípios deve ser aprovada por 2/3 dos votos da Câmara de Vereadores, em dois turnos e com intervalo mínimo de 10 dias entre as sessões.

Neste sentido, a banca FUNDATEC considerou correta a alternativa D da seguinte questão da prova de Procurador Municipal:

Inovação da Constituição de 1988, a elaboração da Lei Orgânica integra a competência exclusiva (ou privativa) do Município. Sobre a Lei Orgânica Municipal, afirma-se que:  

A) Emana do poder constituinte municipal.

B) Sua formulação é de competência exclusiva e absoluta do Município.

C) Uma vez promulgada pelo Prefeito, é hierarquicamente superior no âmbito da legislação municipal.

D) É lei municipal, dispensa a sanção do Prefeito, exige trâmite especial e deve ser aprovada por maioria qualificada (2/3 dos vereadores).

E) Cabe ao Legislativo Municipal aprovar a Lei Orgânica, que será submetida à Assembleia Legislativa para ratificação.

Lei Penal em Branco ou Aberta

Norma que exige complementação, por outras normas, de nível igual ou não. Em sentido estrito ela é complementada por outra de nível diverso, em que a lei é suprida por portaria ou regulamento, como no caso de transgressão de tabela oficial de preços. Em sentido amplo, é complementada por outra de nível idêntico, como ocorre na violação de direitos autorais, em que a lei penal é suprida pela lei civil de direitos autorais

Agora não tem desculpa para confundir os tipos e adjetivos de leis que podem cair na sua prova!

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