Pacote Anticrime: análise das razões da suspensão do Juiz das Garantias

Entenda conosco as principais razões que levaram o STF a determinar a suspensão da figura do Juiz das Garantias, criada pelo Pacote Anticrime.

Olá, concurseiros e concurseiras! Como estão? Atrás de novas leituras para enriquecer o conhecimento de vocês? Então, é o que oferecemos aqui. Neste texto iremos tratar de uma figura que tem causado muita discussão no meio jurídico.

A figura do Juiz das Garantias foi criada pelo chamado "Pacote Anticrime" (Lei n° 13.964/2019). Este alterou sobremaneira o Código de Processo Penal, o Código Penal e outras legislações. Pode-se afirmar que o Pacote, no tocante ao processo, reafirmou sua natureza acusatória. No entanto, pela possível lesão a mandamentos constitucionais, o Ministro Luiz Fux entendeu que deveria haver a suspensão da nova figura.

Ressalta-se que a decisão do Ministro, proferida monocraticamente no período de recesso, não é terminativa, podendo ser revista pela maioria dos membros do Supremo Tribunal Federal (STF). Assim, apesar de suspensa a criação do Juiz das Garantias, pode ser que ela venha efetivamente a se constituir no futuro (próximo ou não, ainda não há como afirmar).

Apesar dos argumentos despendidos pelo Ministro Luiz Fux favoráveis à possível inconstitucionalidade do instituto, desde já é possível dizer que, potencialmente, ao menos um Ministro discorda de sua posição. O Ministro Dias Toffoli, previamente, no exercício da presidência do STF, também havia suspendido o Pacote Anticrime. No entanto, em seu entendimento, não havia inconstitucionalidade da figura. A suspensão ocorreu porque, em sua opinião, o prazo de 30 dias para criação do Juiz das Garantias era muito curto. Desse modo, ele determinou a extensão do mesmo para 180 dias. Contudo, sua decisão foi parcialmente revogada por aquele membro da Suprema Corte.

Juiz das Garantias

Antes de adentrarmos nas razões para suspensão da figura, vamos entender o que é o Juiz das Garantias.

Previsto nos artigos 3°-B e seguintes do CPP, o Juiz das Garantias seria aquele que atua na fase investigatória, não podendo, portanto, atuar na fase processual. Ou seja, com a aprovação da figura, haveria dois juízes para cada persecução penal, um para a fase investigatória e outro para a fase processual, e ambos não se misturariam.

De modo a garantir ainda mais a imparcialidade do Magistrado, evitando a contaminação, há previsão nos artigos suspensos de que o Magistrado que atue na investigação está impedido de atuar na fase do processo.

O Juiz das Garantias, assim, atuaria nos momentos em que há necessidade de intervenção judicial, na fase da investigação, não sendo inquisidor nem investigador. Finda essa, no momento do recebimento da denúncia ou queixa, passaria a atuar o Juiz do processo.

Ele também deveria ser informado da instauração de toda e qualquer investigação criminal, nos termos do inciso IV do artigo 3°-B:

Art. 3º-B. O juiz das garantias é responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais cuja franquia tenha sido reservada à autorização prévia do Poder Judiciário, competindo-lhe especialmente:     (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
IV - ser informado sobre a instauração de qualquer investigação criminal; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

Isso se deve porque ele é também o responsável pela legalidade das investigações. Assim, não havendo razão para instauração ou prosseguimento do inquérito policial, o Magistrado pode determinar seu trancamento.

Outra novidade muito debatida é que o Juiz das garantias poderia, conforme o §2° do artigo 3°-B, prorrogar a prisão do réu preso:

Art. 3°-B. [...] § 2º Se o investigado estiver preso, o juiz das garantias poderá, mediante representação da autoridade policial e ouvido o Ministério Público, prorrogar, uma única vez, a duração do inquérito por até 15 (quinze) dias, após o que, se ainda assim a investigação não for concluída, a prisão será imediatamente relaxada. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

Logo, o inquérito teria o prazo de 10 dias para ser finalizado. No entanto, pode haver sua prorrogação por mais 15 dias, uma única vez, mediante representação da autoridade policial e autorização do Juiz das Garantias.

Ainda segundo a novel legislação, haveria uma exceção:

Art. 3º-C. A competência do juiz das garantias abrange todas as infrações penais, exceto as de menor potencial ofensivo, e cessa com o recebimento da denúncia ou queixa na forma do art. 399 deste Código.

Logo, não haveria atuação desse Magistrado nas infrações penais de menor potencial ofensivo.

Feitas essas breves observações iniciais, vamos analisar juridicamente as razões que levaram à suspensão do Juiz das Garantias, criado pelo Pacote Anticrime.

Pacote Anticrime e a Suspensão do Juiz das Garantias

Inicialmente, importante destacar que, no âmbito no Processo Penal, não houve a suspensão apenas do Juiz das Garantias. O artigo 3°-A, por exemplo, não trata do instituto em comento, bem como os artigos 28 e 310, § 4°, todos do CPP. No entanto, tiveram suas eficácias suspendidas, por diversas razões. Na medida do possível, faremos neste texto análises detalhadas de cada artigo, para que os leitores possam entender cada uma das razões.

Todas as suspensões feitas pelo Ministro Luiz Fux foram sine die, ou seja, sem prazo para se tornarem válidas, diferente da determinada anteriormente pelo Ministro Dias Toffoli. Desse modo, elas aguardam pelo Plenário do STF para serem ou não referendadas.

Ressalta-se que a decisão incide sobre a eficácia das normas, e não sobre estas, de modo que elas podem ser encontradas expressamente nos diversos Diplomas alterados. Não podem, contudo, ser aplicadas, sendo este o resultado prático do Decisum.

Os principais argumentos apresentados na decisão do Ministro é que as normas dos artigos 3°-A a 3°-F do CPP consistem preponderantemente em normas de organização judiciária, que são de competência do Poder Judiciário quanto à iniciativa, e que acarretam em relevante impacto financeiro, não tendo havido prévia dotação orçamentária para os possíveis gastos a serem criados.

Vamos agora à análise dos artigos do CPP suspensos pelo STF e outros aspectos:

Vacatio Legis

A Lei 13.964/2019, em seu artigo 20, determinou prazo de 30 dias da sua publicação para que entrasse em vigor. Pelos aspectos tratados na novel legislação, claramente esse período seria curto para que pudessem ser implementados. Esse foi o entendimento, inclusive, do Ministro Dias Toffoli, que não entendeu pela inconstitucionalidade dos dispositivos do diploma normativo, mas o suspendeu por 180 dias para que os Tribunais pudessem fazer as modificações necessárias em suas estruturas.

Apesar da revogação da decisão proferida pelo Ministro Dias Toffoli, caso a lei seja futuramente declarada constitucional pelo Plenário do STF, acredita-se que possivelmente haverá a determinação de prazo hábil para que os Tribunais possam se adaptar às determinações contidas na lei.

Contudo, ressalta-se que, não fosse a suspensão, como a lei foi publicada em 24 de dezembro de 2019, sua vigência teria se iniciado em 23 de janeiro de 2020.

Art. 3°-A

O artigo 3°-A tem a seguinte redação:

Art. 3º-A. O processo penal terá estrutura acusatória, vedadas a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

Pela leitura do dispositivo, pode-se concluir claramente que ele não tem nenhuma relação com a figura do Juiz das Garantias. Em verdade, não há no Decisum do STF uma razão clara para sua suspensão. O que se depreende é que ele foi incluído nesta, segundo análise do relator, como um dos consectários do Juiz das Garantias na decisão. No entanto, é possível que, quando o Plenário analise o instituto, não determine sua inconstitucionalidade (ao menos não com base exclusiva nos argumentos supra-apresentados).

Em verdade, o artigo 3°-A declara expressamente a estrutura acusatória do Processo Penal, sendo uma novidade explícita no ordenamento infraconstitucional. Antes, a estrutura acusatória era obtida pela interpretação feita do inciso I do artigo 129 da Constituição Federal, como se vê:

Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;

Pela leitura, nota-se que não cabe ao Poder Judiciário a função de acusar no Processo Penal, mas ao Ministério Público. Assim, afirma-se que o ordenamento constitucional privilegiou a estrutura acusatória em desfavor da inquisitorial. A figura do artigo 3°-A reafirma expressamente o entendimento e privilegia a imparcialidade do Magistrado quando o impede de substituir a atuação probatória dos órgãos de acusação.

Além disso, o artigo 3°-A determina que o Juiz não pode interferir no momento da investigação. A gestão da prova ficaria totalmente a cargo do órgão incumbido da acusação, qual seja, o Ministério Público, que contaria com o apoio da polícia judiciária.

Revogação tácita do inciso I do artigo 156 do CPP

Com o advento do artigo 3°-A, apesar da ausência de declaração expressa, deveria haver a revogação tácita do inciso I do artigo 156 do CPP, em virtude deste autorizar a produção de provas de ofício pelo Magistrado, mesmo antes da ação penal:

Art. 156.  A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício: (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008)
I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida; (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008)

Pela leitura, o dispositivo colide frontalmente com o artigo 3°-A. Logo, como incompatíveis, entende-se que este, por ser mais novo, teria revogado aquele no que tange a produção de provas antes da ação penal.

Artigos 3°-B a 3°-F

Estes artigos, diferente do anterior, tratam do Juiz das Garantias, e há para eles, ao menos em tese, razões de ordem formal e material para a declaração de inconstitucionalidade.

Razões de ordem formal

Segundo uma das teses levantada nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade impetradas perante o STF, o Juiz das Garantias trata de organização judiciária.

Assim dispõem os artigos 96 e 125 da Constituição Federal:

Art. 96. Compete privativamente:
I - aos tribunais:
a) eleger seus órgãos diretivos e elaborar seus regimentos internos, com observância das normas de processo e das garantias processuais das partes, dispondo sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos; […]
d) propor a criação de novas varas judiciárias;

Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição.
§ 1º A competência dos tribunais será definida na Constituição do Estado, sendo a lei de organização judiciária de iniciativa do Tribunal de Justiça.

Pela leitura dos dispositivos, cabe ao próprio Poder Judiciário regulamentar a respeito de sua organização. O Pacote Anticrime, no entanto, advém de projeto do Poder Executivo.

O Ministro Luiz Fux acatou esse entendimento no momento do deferimento da liminar. Para ele, os artigos que tratam do Juiz das Garantias são, simultaneamente, normas gerais de processo e de organização judiciária.

Já o Ministro Toffoli, em sua prévia decisão, não entendeu do mesmo modo. Segundo ele, lei processual versa sobre jurisdição, ação e processo, estando o Juiz das Garantias aqui enquadrado, enquanto a lei organização judiciária trata da administração dos órgãos investidos da função jurisdicional. Nessa esteira, destaca-se que o STF entendeu pela constitucionalidade dos juizados de violência pela Lei Maria da Penha. É possível, portanto, que o mesmo ocorra com relação ao Pacote Anticrime.

Deve-se, contudo, fazer uma ressalva: é possível que seja declarada a inconstitucionalidade do parágrafo único do artigo 3°-D com base no entendimento assim. Segue seu conteúdo:

Art. 3º-D. O juiz que, na fase de investigação, praticar qualquer ato incluído nas competências dos arts. 4º e 5º deste Código ficará impedido de funcionar no processo. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
Parágrafo único. Nas comarcas em que funcionar apenas um juiz, os tribunais criarão um sistema de rodízio de magistrados, a fim de atender às disposições deste Capítulo. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

Ao que parece, este parágrafo trata da administração dos órgãos investidos da função jurisdicional. Assim, se este entendimento for adotado pelo Plenário, possivelmente haverá a declaração de sua inconstitucionalidade pelo STF.

Razões de ordem material

Conforme aventado pelo Ministro Fux na concessão da liminar, em tese, os artigos que tratam do Juiz das Garantias acarretarão em relevante impacto financeiro, não tendo havido prévia dotação orçamentária para os possíveis gastos a serem criados. Haveria para ele, portanto, um vício quanto à materialidade.

Em sentido oposto, o Ministro Toffoli defendeu a constitucionalidade material dos dispositivos. Para ele, numa visão apontada inclusive pelo Executivo Federal, não será necessário que se criem novos cargos, pois uma simples readequação de recursos humanos tornará possível a implementação do Juiz das Garantias.

Gostou da nossa análise do Pacote Anticrime e das razões da suspensão do Juiz das Garantias?

Caso queira saber mais sobre o Pacote Anticrime e as alterações por ele promovidas, temos outros textos sobre o assunto. Não perca!

Continuem acompanhando, pessoal! Chegamos ao fim dos textos que tratam da Teoria Geral do Delito, mas em breve teremos mais novidades por aí. E caso queiram sugerir futuros temas, conversem diretamente comigo, através do meu Instagram, que abordarei o conteúdo assim que for possível! 😉

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