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Panorama geral da Lei 14.230/2021

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Professor: Guilherme Hartman. 

Panorama geral da Lei 14.230/2021

Neste curso, vamos estudar a lei de Improbidade Administrativa - lei 8.429/92 alterada pela lei 14.230/2021.

  • Objeto da Ação de Improbidade Administrativa 

Vamos estudar e revisar a ação de improbidade como um todo, pautando nossas aulas pelas inovações e alterações feitas pelo legislador em 2021.

Inicialmente, importa ressaltar que a base normativa da improbidade administrativa está no art. 37 da CR/88, o qual trata dos princípios setoriais da administração pública, dentre os quais está a moralidade administrativa.

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:             (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

(...)

Nesse contexto, a violação à moralidade administrativa, ou seja, imoralidade administrativa tem previsão no art. 37, §4º, da CR/88. Portanto, a violação da moralidade administrativa é a improbidade administrativa.

§ 4º Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.

Este artigo prevê que o agente público que praticar um ato de improbidade administrativa deve ser sancionado. Como se vê, o §4º, do art. 37, prevê algumas das sanções de improbidade administrativa.

Podemos afirmar, portanto, que o objeto da ação de improbidade administrativa é tratar-se um importante instrumento de tutela do patrimônio público (em suas várias acepções) e da moralidade administrativa (art. 37, caput, e §4º, da CR/88). Com efeito, destaca-se que o patrimônio público é compreendido como um direito difuso, tendo em vista que o ele pertence à coletividade (sujeitos indeterminados), cujo direito material é incindível. Assim, associa-se a ação de improbidade administrativa a uma ação coletiva.

Qual é o objetivo da ação de improbidade administrativa?

O objetivo é punir os responsáveis pela prática de atos de improbidade administrativa. Há, nitidamente, um caráter sancionatório no âmbito da ação de improbidade administrativa, seja pela previsão normativa do próprio art. 37, §4º, da CR/88, que já fala das sanções de improbidade administrativa, seja pela própria visão inicial da Lei 8.429/92.

Nota-se que a lei de improbidade administrativa “Dispõe sobre as sanções aplicáveis em virtude da prática de atos de improbidade administrativa, de que trata o § 4º do art. 37 da Constituição Federal; (...).

O caráter sancionatório da ação de improbidade administrativa é relevante para distinguir a ação de improbidade administrativa das outras ações coletivas, que podem tratar, tangencialmente, sobre a proteção do patrimônio público, tal como a lei 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública), a lei 4.717/65 (Lei da Ação Popular), as quais também tutelam o patrimônio público, a moralidade administrativa.

Qual seria a diferença entre a ação de improbidade administrativa versus ação civil pública e ação popular, no contexto de proteção patrimônio público?

Na doutrina do ex-Ministro do STF, Teori Albino Zavascki, extrai-se o seguinte excerto:

“(...) ação com caráter eminentemente repressivo, destinada, mais que a tutelar direitos, a aplicar penalidades. Sob esse aspecto, ela é marcadamente diferente da ação civil pública e da ação popular. Todavia, há, entre elas, um ponto comum de identidade: as três, direta ou indiretamente, servem ao objetivo maior e superior de tutelar o direito transindividual e democrático a um governo probo e a uma administração pública eficiente e honesta.” (ZAVASCKI, Teori Albino. Processo coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos. 3. ed. São Paulo: RT, 2008, pg. 111)

NOVIDADE: tornando marcante a diferença entre as referidas ações coletivas, há possibilidade de conversão da ação de improbidade administrativa em ação civil pública, caso ausentes os requisitos para imposição de sanções previstas naquela, de cuja decisão cabe agravo de instrumento (art. 17, §§ 16 e 17, da Lei 8.429/92):

Art. 17. (...)

§ 16. A qualquer momento, se o magistrado identificar a existência de ilegalidades ou de irregularidades administrativas a serem sanadas sem que estejam presentes todos os requisitos para a imposição das sanções aos agentes incluídos no polo passivo da demanda, poderá, em decisão motivada, converter a ação de improbidade administrativa em ação civil pública, regulada pela Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985.       (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)

§ 17. Da decisão que converter a ação de improbidade em ação civil pública caberá agravo de instrumento.        (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)

Assim, é relevante destacar que, no âmbito da ação de improbidade administrativa, o legislador reforça a separação de cada uma das ações coletivas, de forma que a ação popular e ação civil pública podem tutelar o patrimônio público, mas num viés ressarcitório do erário. Se, eventualmente, houver o objetivo de impor sanções, tais como, perda de cargo público, suspensão dos direitos políticos, proibição de contratar com o Poder Público, utiliza-se a ação de improbidade administrativa.

Todavia, se ajuizada uma ação de improbidade e percebido que não há o preenchimento dos respectivos requisitos, é possível converter ação de improbidade numa ação civil pública, para que a ação continue unicamente pelo aspecto ressarcitório e não para o caráter punitivo.

  • Natureza jurídica da ação de improbidade administrativa

Outro ponto relevante a ser destacado é a natureza da ação de improbidade. 

O entendimento do STJ, antes da lei 14.230/21, era no seguinte sentido: “(...) improbidade administrativa não é crime. A Lei de Improbidade Administrativa é uma lei de natureza cível, onde as condutas e as sanções não têm natureza penal, não estando sujeitas às normas de Direito Penal” (STJ, AgRg no AREsp 205.536/RD, 2ª Turma, j. 20/09/12)

Em relação à ação de improbidade administrativa, sempre se perfilhou a ideia de ser uma ação cível e de não aplicação direta dos princípios aplicáveis ao direito sancionador ou ao direito penal. Um bom exemplo disso era o de que as condutas de improbidade administrativa eram consideradas num viés exemplificativo. Portanto, os atos de improbidade administrativa não se consubstanciavam em uma tipicidade fechada (legalidade estrita); o rol sempre foi considerado exemplificativo, tendo em vista que a ação de improbidade administrativa é considerada uma ação cível.

Sobre esse tema, a lei 14.230/21, no art. 17-D, passou a prever a lógica de que a ação de improbidade administrativa não constitui ação civil.

Art. 17-D. A ação por improbidade administrativa é repressiva, de caráter sancionatório, destinada à aplicação de sanções de caráter pessoal previstas nesta Lei, e não constitui ação civil, vedado seu ajuizamento para o controle de legalidade de políticas públicas e para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos.       (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)

Assim, a expressão do legislador neste artigo procura afastar a concepção de que ação de improbidade administrativa seria uma mera ação de caráter civil. 

Por outro lado, podemos afirmar que não é uma ação penal, até mesmo porque há o obstáculo da CR/88, cujo art. 37, § 4º, preconiza a aplicação de sanções a atos de improbidade administrativa, independentemente da esfera penal (...“sem prejuízo da ação penal cabível”).

O legislador adotou, assim, o que a doutrina vem chamando de um terceiro gênero: direito administrativo sancionador. 

Da previsão normativa do art. 17-D podemos extrair duas interpretações: 1ª) trata-se de uma ação civil, cujo objetivo do legislador era simplesmente afastar o viés unicamente ressarcitório da ação de improbidade; ou 2ª) numa visão mais ampla, poderia haver o raciocínio de que, de fato, o legislador tratou e um terceiro gênero.

ATENÇÃO: o art. 1º, § 4º, da Lei 8.429/92 passou a ter previsão expressa, com a lei 14.230/21, da aplicação dos princípios constitucionais do direito administrativo sancionador ao sistema da improbidade administrativa.

Devemos raciocinar os princípios do direito administrativo sancionador não apenas no viés administrativo de imposição de sanções administrativas, pois, como afirma a doutrina, o direito sancionador é um só: aquele imposto pela administração pública ou até mesmo pelo Poder Judiciário. 

De qualquer forma, podemos dizer que os princípios do direito sancionador, incluindo os princípios aplicáveis à esfera penal, devem ser aplicáveis à ação de improbidade administrativa, conforme prevê o art. 1º, § 4º, da Lei 8.429/92.

Art. 1º. (...)

§ 4º Aplicam-se ao sistema da improbidade disciplinado nesta Lei os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador.       (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)

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