Aula 10, Tópico 1
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Legitimidade. Procedimento

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Legitimidade. Procedimento

 

  • ÔNUS DA PROVA NA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

O ônus da prova é o cargo de produzir a prova, ou seja, a quem cabe produzir a prova no âmbito de uma ação judicial. Com efeito, o ônus da prova, na ação de improbidade administrativa, cabe ao Ministério Público, isto é, ao legitimado ativo da ação de improbidade. Logo, se o MP imputa a alguém um ato de improbidade administrativa, deve produzir a respectiva prova sobre este ato.

Nesse contexto, o art. 17, §6º, inciso II, da LIA, que trata da petição inicial, dita:

Art. 17. (...)

  • 6º A petição inicial observará o seguinte:         (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021)

(...)

II - será instruída com documentos ou justificação que contenham indícios suficientes da veracidade dos fatos e do dolo imputado ou com razões fundamentadas da impossibilidade de apresentação de qualquer dessas provas, observada a legislação vigente, inclusive as disposições constantes dos arts. 77 e 80 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil).       (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)

Importa ressaltar, ainda, a jurisprudência pretérita do STJ, sobre a teoria da carga dinâmica da prova:

“2. Incumbe ao Ministério público o ônus da prova da efetiva ocorrência do elemento subjetivo, culpa ou dolo, conforme o caso, onde, naturalmente, a boa-fé fica excluída. O reconhecimento da prática de ato ímprobo dotado de dolo ou má-fé afasta, necessariamente, a presença da boa-fé. Um excluiu o outro. A boa-fé sempre se presume. Assim, não há como impor ao réu o ônus de provar a boa-fé no ato praticado. Tal entendimento, além de contrariar de forma expressa a norma que rege a matéria, implica a transferência de uma diabólica reversa ao réu, que estará obrigado a produzir probatio uma prova negativa, a de que não concorreu para o ato ímprobo, por exemplo, o que afasta a teoria da dinamização do encargo de prova (CPC/2015, art. 373, § 1º). Ou seja, não existe um tipo de presunção de alcance geral que beneficie o autor da ação de improbidade, impondo ao réu ora acusado o ônus de comprovar a ausência de sua participação no ato de improbidade” (STJ - AREsp 1.715.616/PR, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 02/12/2020).

Assim sendo, o STJ afastava a teoria da dinamização do encargo de prova, nas ações de improbidade administrativa. Isto é, descabe atribuir o ônus da prova a outra pessoa, ainda que tenha melhores condições de provar determinado fato.  A teoria da dinamização do encargo de prova tem previsão expressa também no art. 6º, inciso VIII, do CDC.

O legislador, em 2021, positivou essa jurisprudência do STJ.

NOVIDADE: Inaplicação de imposição de ônus da prova ao réu (dinamização), na forma do art. 373, § 1º e 2º, CPC (art. 17, § 19, II, Lei nº 8.429/1992, incluído pela Lei nº 14.230/2021).

Art. 17. (...)

  • 19. Não se aplicam na ação de improbidade administrativa:         (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)

(...)

II - a imposição de ônus da prova ao réu, na forma dos §§ 1º e 2º do art. 373 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil);       (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)

Todavia, havia uma hipótese específica em que a jurisprudência reconhecia que o ônus da prova incumbiria ao réu.  STJ:

“IX - Na ação de improbidade administrativa, cabe ao Ministério Público comprovar o acréscimo desproporcional do patrimônio do agente público, ao passo que recai sobre o réu o ônus de demonstrar que tal evolução patrimonial ocorreu de forma lícita. É dizer, é o réu quem possui o dever de comprovar a licitude da origem do patrimônio que amealhou, uma vez que aqueles que exercem funções públicas, como no caso, devem sofrer rígido controle sobre bens, valores e transações realizadas. Precedentes” (STJ - REsp 1.850.167/PR, 2ª Turma, j. 11/05/2021).

Ainda é possível atribuir o ônus da prova ao demandado para fins de comprovar licitude dos bens adquiridos?

SIM. 

NOVIDADE: Assegura-se ao agente público a comprovação da licitude da origem da evolução patrimonial tida como desproporcional à sua renda (art. 9º, VII, Lei nº 8.429/1992, com redação dada pela Lei nº 14.230/2021).

 Art. 9º (...)

VII - adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, de cargo, de emprego ou de função pública, e em razão deles, bens de qualquer natureza, decorrentes dos atos descritos no caput deste artigo, cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público, assegurada a demonstração pelo agente da licitude da origem dessa evolução;         (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021)

A rigor, não seria uma relativização da vedação de distribuição dinâmica, a própria lei atribui ao demandado a produção essa prova; a ele cabe provar a licitude dos bens adquiridos/evolução seu patrimônio.

  • AGRAVO DE INSTRUMENTO CONTRA DECISÃO INTERLOCUTÓRIA EM AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

A jurisprudência do STJ era do sentido de que cabe agravo de instrumento contra qualquer decisão interlocutória, logo não haveria que se falar em rol de taxatividade mitigada no microssistema de tutela coletiva, diante do que dispõe o art. 19, §1º, da LAP, tal como ocorre no processo civil comum (art. 1.015, CPC).

Jurisprudência pretérita: 

Improbidade administrativa. Decisão interlocutória que indefere pedido de depoimento pessoal. (..) 6. Deve-se aplicar à Ação por Improbidade o mesmo entendimento já adotado em relação à Ação Popular, como sucedeu, entre outros, no seguinte precedente: ‘A norma específica inserida no microssistema de tutela coletiva, prevendo a impugnação de decisões interlocutórias mediante agravo de instrumento (art. 19 da Lei n. 4.717/65), não é afastada pelo rol taxativo do art. 1.015 do CPC/2015, notadamente porque o inciso XIII daquele preceito contempla o cabimento daquele recurso em 'outros casos expressamente referidos em lei’ (AgInt no REsp 1.733.540/DF, Rel. Min. Gurgel de Faria, 1ª Turma, DJe 4.12.2019). (..) 7. A ideia do microssistema de tutela coletiva foi concebida com o fim de assegurar a efetividade da jurisdição no trato dos direitos coletivos, razão pela qual a previsão do artigo 19, § 1º, da Lei da Ação Popular (‘Das decisões interlocutórias cabe agravo de instrumento’) se sobrepõe, inclusive nos processos de improbidade, à previsão restritiva do artigo 1.015 do CPC/2015” (STJ - REsp 1.925.492/RJ, 2ª Turma, j. 04/05/2021)

A lei 14.230/2021 também positivou essa jurisprudência.

NOVIDADE: Resta previsto o cabimento de forma ampla do agravo de instrumento como recurso contra decisões interlocutórias (art. 16, § 9º; e art. 17, §§ 9º-A; 17; e 21, VII, Lei nº 8.429/1992, com redação dada pela Lei nº 14.230/2021).

Art. 16. (...)

  • 9º Da decisão que deferir ou indeferir a medida relativa à indisponibilidade de bens caberá agravo de instrumento, nos termos da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil).        (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)

(...)

  • INAPLICAÇÃO DA REMESSA NECESSÁRIA NA AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

A Jurisprudência pretérita, com base no microssistema coletivo, aplicava à ação de improbidade o art. 19 da lei 4.717/65 (LAP), que dispõe sobre a remessa necessária.

“2. De acordo com precedente da 1ª Seção, as sentenças de improcedência de pedidos formulados em ação civil pública por ato de improbidade administrativa sujeitam-se indistintamente ao reexame necessário, seja por aplicação subsidiária do CPC (art. 475 do CPC/1973) [art. 496, CPC/2015], seja pela aplicação analógica do Lei da Ação Popular (art. 19 da Lei n. 4.717/65)” (STJ - AgInt no REsp 1.612.579/RR, 1ª Turma, j. 28/04/2020).

No ponto, note-se que o reexame necessário, no microssistema coletivo, tem aplicabilidade distinta da lógica do processo civil comum. Nesse sentido, é a lição Daniel Amorim Assumpção Neves

(...) figurando a pessoa jurídica de direito público no polo passivo da ação popular, o reexame necessário específico da ação popular não serve para proteger os interesses da Fazenda Pública em juízo, mas a coletividade representada pelo autor que ingressou com a ação. (...) o que leva parcela da doutrina, inclusive, a falar em “reexame necessário inverso”. (NEVES, Daniel Amorim A. Ações Constitucionais, 2ª edição. Grupo GEN, 2013.)

A remessa necessária, todavia, não pode mais ser aplicada na ação de improbidade administrativa, ficando superada a jurisprudência do STJ acima destacada.

NOVIDADE: Inaplicação da remessa necessária no caso de improcedência ou de extinção sem julgamento do mérito (art. 17, § 19, IV; e 17-C, § 3º, Lei nº 8.429/1992, incluído pela Lei nº 14.230/2021)

Art. 17. (...)

  • 19. Não se aplicam na ação de improbidade administrativa:         (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)

(...)

IV - o reexame obrigatório da sentença de improcedência ou de extinção sem resolução de mérito.          (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)

Art. 17-C. (...)

  • 3º Não haverá remessa necessária nas sentenças de que trata esta Lei.        (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)

AUTOCOMPOSIÇÃO NA AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

Indaga-se: é possível acordo no âmbito de ação de improbidade administrativa? Cabe transação?

Em tese, por estarmos tratando com o patrimônio público e o interesse público, numa visão tradicional, tratar-se-ia de um direito indisponível, de sorte que não seria possível transacionar na esfera pública. Todavia, essa uma visão ultrapassada. 

Para a doutrina moderna, permite-se o acordo mesmo no âmbito do direito sancionador, ou seja, há o reconhecimento da consensualidade do direito sancionador. Entende-se que o interesse público e a eficiência, por vezes, poderia ser melhor tutelado, quando a administração pública celebra um acordo. 

Pode-se citar como fundamentos para o acordo no âmbito da improbidade administrativa:

  • Valorização da solução autocompositiva (art. 3º, §§ 2º e 3º, CPC). 
  • Previsão na lei de mediação (art. 36, § 4º, Lei nº 13.140/2015). 
  • Existência de instrumentos de justiça penal negociada (v.g., art. 76, Lei nº 9.099/1995); bem como dos institutos da colaboração premiada (art. 3º, I, Lei nº 12.850/2013) e do acordo de leniência (art. 16, Lei nº 12.846/2013). 
  • Cláusula geral de negociação no âmbito da Administração Pública (art. 26, LINDB). 
  • Política Nacional de Incentivo a Autocomposição no âmbito do Ministério Público (Resolução nº 118/2014, CNMP); e Termo de ajustamento de conduta em matéria de improbidade administrativa (art. 1º, § 2º, Resolução nº 179/2017, CNMP)
  • Contexto anterior de evolução legislativa para permitir o acordo de não persecução cível na ação de improbidade administrativa (anterior art. 17, § 1º, Lei nº 8.429/1992, com redação dada pela Lei nº 13.964/2019 - atualmente REVOGADO). 
  • Vide orientações existentes sobre o assunto (anteriores à Lei nº 14.230/2021): (i) Nota Técnica nº 02/2020 - MP-SP; (ii) Resolução nº 4.703/2021, PGE-RJ; (iii) Portaria Normativa nº 18/2021, AGU.

NOVIDADE: Reitera-se a admissão e se traz a disciplina do acordo de não persecução cível, celebrado pelo Ministério Público, com prévia oitiva do ente federativo lesado, como também do Tribunal de Contas para fins de apuração do valor do dano a ser ressarcido (art. 17-B, e §§ 1º e 3º, Lei nº 8.429/1992, incluído pela Lei nº 14.230/2021).

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