Aula - Progresso
0% Finalizado

Caráter Sancionador da Ação de Improbidade Administrativa

Vimos, na aula anterior, o caráter sancionador da ação de improbidade administrativa. Nesse contexto, a alteração promovida na LIA, pela lei 14.230/21, tem como um dos principais pontos a aplicação dos princípios do direito administrativo sancionador à ação de improbidade, conforme expressamente consta do art. 1º, §4º, da lei 8.429/92.

 Já vimos também que, segundo a jurisprudência do STJ, improbidade administrativa não é crime.

Qual é, então, a natureza jurídica da ação de improbidade administrativa?

Essa é uma questão que, para responder, devemos nos recorrer à doutrina.

Em artigo recente do Ministro do STJ, Benedito Gonçalves, junto a Renato Grilo, leciona-se que:

(...) O direito administrativo sancionador, ao contrário do que se pode extrair em uma primeira leitura, permeia todos os campos do direito em que a Administração expressa sua prerrogativa punitiva.

(...)

Em essência qualitativa, não há diferença alguma da punição administrativa para a sanção penal: em ambos os casos o Estado expressa, por meio dos órgãos públicos competentes, o seu poder de punir condutas antijurídicas. É por isso que deve existir um núcleo mínimo de garantias aplicáveis à expressão punitiva do Estado, seja ela exercida e efetivada pelos órgãos administrativos, seja pela justiça criminal.

(...)

Com efeito, dentro da ampla seara do direito administrativo sancionador, o recorte que mais suscita debates e atenção dos juristas é o da improbidade administrativa. A gravidade das sanções previstas na Lei 8.429/1992 deixa claro para o operador do direito que, em matéria de direito sancionador, deve haver um núcleo comum de garantias, cuja aplicação não é exclusiva da seara penal. (GONÇALVES, Benedito; GRILO, Renato Cesar Guedes; Os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador no regime democrático da Constituição de 1988. In: Revista Estudos Institucionais – REI (FND/UFRJ)  V. 7, N. 2 (2021), P. 467/478)

Destaca-se, portanto, que o estudo da improbidade administrativa deve perpassar pela aplicação dos princípios do direito sancionador, ou seja, pela aplicação de garantias em proteção do réu, tendo em vista que, a ação de improbidade tem por objetivo a aplicação de sanções que, em essência qualitativa, não destoa da sanção penal.

  • PRINCÍPIOS DO DIREITO SANCIONADOR 

São princípios, inclusive com viés constitucional, que serão aplicáveis e já se encontram positivados, os quais possuem repercussão na lei de improbidade administrativa.

1. Princípio da legalidade, sob o viés da tipicidade (art. 5º, II e XXXIX, da CF/88)

Art. 5º. (...)

II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;

(...)

XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal;

NOVIDADE: indicação pelo autor (sempre o Ministério Público) de apenas um dos tipos dentre aqueles dos artigos 9º, 10, e 11, da lei 8.429/92, para cada ato de improbidade administrativa, não podendo o juiz condenar em tipo diverso (art. 17, §§ 10-D e 10-F, inciso I, da lei 8.429/92, incluído pela lei 14.230/21).

Art. 17 (...)

§ 10-D. Para cada ato de improbidade administrativa, deverá necessariamente ser indicado apenas um tipo dentre aqueles previstos nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei.        (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)

(...)

§ 10-F. Será nula a decisão de mérito total ou parcial da ação de improbidade administrativa que:        (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)

I - condenar o requerido por tipo diverso daquele definido na petição inicial;         (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)

Assim, se o juiz condenar em um ato diverso daquele indicado na petição inicial, estaremos diante de uma sentença extra petita, sujeita à invalidade. Essa previsão normativa contraria a jurisprudência até então assente no STJ, que permitia a condenação em tipo diverso daquele previsto na petição inicial.

NOVIDADE: necessidade de identificação das normas violadoras para enquadramento do ato de improbidade por violação a princípio da administração pública (art. 11, §3º, da lei 8.429/92, incluído pela lei 14.230/21).

Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública a ação ou omissão dolosa que viole os deveres de honestidade, de imparcialidade e de legalidade, caracterizada por uma das seguintes condutas:         (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021)

III - revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribuições e que deva permanecer em segredo, propiciando beneficiamento por informação privilegiada ou colocando em risco a segurança da sociedade e do Estado;        (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021)

IV - negar publicidade aos atos oficiais, exceto em razão de sua imprescindibilidade para a segurança da sociedade e do Estado ou de outras hipóteses instituídas em lei;        (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021)

V - frustrar, em ofensa à imparcialidade, o caráter concorrencial de concurso público, de chamamento ou de procedimento licitatório, com vistas à obtenção de benefício próprio, direto ou indireto, ou de terceiros;       (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021)

VI - deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo, desde que disponha das condições para isso, com vistas a ocultar irregularidades;        (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021)

VII - revelar ou permitir que chegue ao conhecimento de terceiro, antes da respectiva divulgação oficial, teor de medida política ou econômica capaz de afetar o preço de mercadoria, bem ou serviço.

VIII - descumprir as normas relativas à celebração, fiscalização e aprovação de contas de parcerias firmadas pela administração pública com entidades privadas.    (Vide Medida Provisória nº 2.088-35, de 2000)       (Redação dada pela Lei nº 13.019, de 2014)       (Vigência)

XI - nomear cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas;          (Incluído  pela Lei nº 14.230, de 2021)

XII - praticar, no âmbito da administração pública e com recursos do erário, ato de publicidade que contrarie o disposto no § 1º do art. 37 da Constituição Federal, de forma a promover inequívoco enaltecimento do agente público e personalização de atos, de programas, de obras, de serviços ou de campanhas dos órgãos públicos.        (Incluído  pela Lei nº 14.230, de 2021)

(...) 

§ 3º O enquadramento de conduta funcional na categoria de que trata este artigo pressupõe a demonstração objetiva da prática de ilegalidade no exercício da função pública, com a indicação das normas constitucionais, legais ou infralegais violadas.         (Incluído  pela Lei nº 14.230, de 2021)

Portanto, para a prática do ato de improbidade administrativa que atente contra os princípio da Administração Pública, deve-se associar a conduta a um dos incisos do artigo 11. Logo, não é suficiente a mera alegação de violação de um princípio da administração pública, deve-se indicar as normas violadas previstas na LIA. Trata-se, claramente, de um viés da legalidade, sob a ótica da tipicidade.

2. Princípio do contraditório e ampla defesa (art. 5º, inciso LV, CF/88)

Art. 5º. (...)

LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

NOVIDADE: necessidade de individualização de condutas na petição inicial (art. 17, § 6º, inciso I, da lei 8.429/92, incluído pela lei 14.230/21), o que permite ao demandado se defender apropriadamente.

Art. 17 (...)

§ 6º A petição inicial observará o seguinte:         (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021)

I - deverá individualizar a conduta do réu e apontar os elementos probatórios mínimos que demonstrem a ocorrência das hipóteses dos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei e de sua autoria, salvo impossibilidade devidamente fundamentada;        (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)

Qual a repercussão disso no contraditório e ampla defesa? Permite ao demandado se defender apropriadamente, na medida em que, ao exigir que a petição inicial discrimine/individualize as condutas, contempla-se um pleno exercício do contraditório e da ampla defesa. Ademais, o artigo em comento é uma forma de conter ações abusivas. 

3. Princípio da pessoalidade da pena (art. 5º, inciso XLV, CF/88)

Art. 5º. (...)

XLV - nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido;

NOVIDADE: Expressão “sanções de caráter pessoal” (art. 17-D, da Lei 8429/92, Incluído pela Lei 14.230/2021). Nesse sentido, o sucessor ou herdeiro do agente, que pratica improbidade administrativa, responde apenas até o limite do valor da herança (art. 8º da Lei 8429/92, Incluído pela Lei 14.230/2021).

Antes da Lei 14.230/2021Depois da Lei 14.230/2021
Art. 8° O sucessor daquele que causar lesão ao patrimônio público ou se enriquecer ilicitamente está sujeito às cominações desta lei até o limite do valor da herança.Art. 8º O sucessor ou o herdeiro daquele que causar dano ao erário ou que se enriquecer ilicitamente estão sujeitos apenas à obrigação de repará-lo até o limite do valor da herança ou do patrimônio transferido.      (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021)

Vale acrescentar, ainda, o disposto no artigo 1792 do Código Civil, pelo qual o herdeiro responde pelas dívidas do de cujos apenas nas forças da herança.

Por fim, pode-se tecer a crítica de que o art. 8º, com redação dada pela Lei 14.230/2021, não fala da transmissão da perda de bens, o que poderia levar o interprete a entender que esta sanção não obrigaria o herdeiro, embora houvesse patrimônio acrescido ilicitamente.

Respostas