Aula 11, Tópico 1
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Acordo de não persecução cível

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Acordo de não persecução cível

 Vamos dar continuidade ao estudo da evolução legislativa acerca da aceitação o acordo de não persecução cível no direito brasileiro.

Ab initio, é importante destacar que, na sua redação original, a lei 8.429/92, no artigo 17, § 1º, vedava acordo no âmbito da lei de improbidade administrativa. Em 2015, uma Medida Provisória passou a permitir o acordo no âmbito da ação de improbidade; todavia, a medida provisória não foi convertida em lei.

Em 2019, a Lei nº 13.964/2019 alterou o art. 17, § 1º, da LIA, permitindo o chamado acordo de não persecução cível. Ocorre que muitos dos seus dispositivos foram vetados, de sorte que, ainda que promulgado o dispositivo que possibilitava o ANPC, o sistema careceu de uma disciplina clara sobre os termos do acordo. Diante isso, várias orientações foram editadas (anteriores à lei 14.230/21).

- Vide orientações existentes sobre o assunto (anteriores à Lei nº 14.230/2021): (i) Nota Técnica nº 02/2020 - MP-SP; (ii) Resolução nº 4.703/2021, PGE-RJ; (iii) Portaria Normativa nº 18/2021, AGU.

Vê-se, portanto, que todos os atores acima poderiam celebrar ANPC. 

ATENÇÃO: com a lei nº 14.230/2021, o acordo de não persecução cível só pode ser celebrado pelo Ministério Público. 

NOVIDADE: Reitera-se a admissão e se traz a disciplina do acordo de não persecução cível, celebrado pelo Ministério Público, com prévia oitiva do ente federativo lesado, como também do Tribunal de Contas para fins de apuração do valor do dano a ser ressarcido (art. 17-B, e §§ 1º e 3º, Lei nº 8.429/1992, incluído pela Lei nº 14.230/2021).

Art. 17-B. O Ministério Público poderá, conforme as circunstâncias do caso concreto, celebrar acordo de não persecução civil, desde que dele advenham, ao menos, os seguintes resultados:       (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)

(...)

§ 2º Em qualquer caso, a celebração do acordo a que se refere o caput deste artigo considerará a personalidade do agente, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do ato de improbidade, bem como as vantagens, para o interesse público, da rápida solução do caso.          (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)

§ 3º Para fins de apuração do valor do dano a ser ressarcido, deverá ser realizada a oitiva do Tribunal de Contas competente, que se manifestará, com indicação dos parâmetros utilizados, no prazo de 90 (noventa) dias.     (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)

Discute-se se obrigatoriedade de oitiva prévia do ente federado lesado, antes da celebração do ANPC não estaria ferindo a autonomia institucional do Ministério Público, além de acarretar morosidade ao procedimento.

Em que momento o ANPC pode ser firmado?

O ANPC pode ser firmado para evitar a propositura de uma ação de improbidade; pode ser firmado no curso da ação e até mesmo no momento da execução da sentença condenatória, nos termos esculpidos no art. 17-B, § 4º, Lei nº 8.429/1992, incluído pela Lei nº 14.230/2021.

Art. 17-B (...)

§ 4º O acordo a que se refere o caput deste artigo poderá ser celebrado no curso da investigação de apuração do ilícito, no curso da ação de improbidade ou no momento da execução da sentença condenatória.      (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)

O ANPC é um direito subjetivo do autor do ato de improbidade administrativa?

NÃO. Não há direito subjetivo do investigado/acusado à obtenção da proposta. Com efeito, o ANPC tem natureza jurídica de negócio jurídico, de molde a exigir a comunhão de vontades dos sujeitos legitimados.

O ANPC depende de homologação judicial?

SIM. A despeito de poder ser firmado extrajudicial ou judicialmente, o ANPC depende de homologação judicial (art. 17-B, § 1º, III, Lei nº 8.429/1992, incluído pela Lei nº 14.230/2021).

Art. 17-B (...)

1º A celebração do acordo a que se refere o caput deste artigo dependerá, cumulativamente:         (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)

(...)

III - de homologação judicial, independentemente de o acordo ocorrer antes ou depois do ajuizamento da ação de improbidade administrativa.        (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)

Ademais, destaca-se, novamente, a jurisprudência do STJ que não concebe o ressarcimento como sanção pelo ato de improbidade administrativa, mas apenas como dever de ressarcimento pelo prejuízo causado. STJ:

1. De acordo com a jurisprudência do STJ, ‘O ressarcimento não constitui sanção propriamente dita, mas sim consequência necessária do prejuízo causado. Caracterizada a improbidade administrativa por dano ao Erário, a devolução dos valores é imperiosa e deve vir acompanhada de pelo menos uma das sanções legais previstas no art. 12 da Lei n. 8.429/1992’ (..) 2. Com efeito, determinar que os réus procedam unicamente à reparação do dano, deixando de condená-los a uma das sanções previstas no art. 12 da Lei de Improbidade Administrativa, equivaleria a deixá-los sem qualquer punição pela prática do ato ímprobo. Em outras palavras, a imposição isolada do ressarcimento ao erário acabaria por retirar o caráter pedagógico e preventivo da norma” (STJ - AgInt no REsp 1.839.345/MG, 1ª Turma, j. 24/08/2020).

Assim sendo, segundo o STJ, impor somente o ressarcimento erário seria um estímulo ao agente para praticar o ato de improbidade, tendo em vista que, no máximo, o agente improbo deveria devolver aos cofres públicos o valor do qual se apossou. Logo, haveria a necessidade de impor outras sanções, concomitantemente.

Nesse sentido, também era o art. 1º, § 2º, Resolução nº 179/2017, CNMP:

 “É cabível o compromisso de ajustamento de conduta nas hipóteses configuradores de improbidade administrativa, sem prejuízo do ressarcimento ao erário E da aplicação de uma ou mais sanções previstas em lei, de acordo com a conduta ou ato praticado” 

NOVIDADE: O acordo de não persecução cível deve, ao menos, produzir os resultados de integral ressarcimento do dano; e de reversão à pessoa jurídica lesada da vantagem indevida obtida (art. 17-B, I e II, Lei nº 8.429/1992, incluído pela Lei nº 14.230/2021).

Art. 17-B (...)

I - o integral ressarcimento do dano;        (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)

II - a reversão à pessoa jurídica lesada da vantagem indevida obtida, ainda que oriunda de agentes privados.         (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)

Isto está a dizer-nos que é possível um acordo de não persecução cível que não imponha outras sanções como, por exemplo, suspensão direitos políticos ou perda de cargo. Exige-se apenas que o ANPC preveja, no mínimo, integral ressarcimento do dano e reversão à pessoa jurídica lesada.

Suspensão dos direitos políticos e a perda de cargo podem ser firmados em ANPC?

SIM. O ANPC deve ser submetido à homologação judicial, razão pela qual o haverá sentença de mérito (art. 487, inciso III, ‘b’, do CPC), de forma que a decisão irá transitar em julgado. Logo, não há nenhum impedimento legal.

  • PRESCRIÇÃO DA AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

Por prescrição temos a ideia de que “o direito não socorre a quem dorme”.  Prescrição é um instituto de direito material que trabalha um prazo para o ajuizamento das ações, sob pena de perda da exigibilidade da pretensão em juízo.

A LIA, no art. 23, trazia um prazo de 5 anos para a improbidade administrativa. 

NOVIDADE: Prescrição no prazo de 8 anos, contados da ocorrência do fato ou, no caso de infrações permanentes, do dia em que cessou a permanência, INDEPENDENTEMENTE DA CATEGORIA DE AGENTE QUE ESTEJA A SE TRATAR (art. 23, Lei nº 8.429/1992, com redação dada pela Lei nº 14.230/2021).

Art. 23. A ação para a aplicação das sanções previstas nesta Lei prescreve em 8 (oito) anos, contados a partir da ocorrência do fato ou, no caso de infrações permanentes, do dia em que cessou a permanência.      (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021)

Assim, também há novidade em relação ao início da contagem do prazo prescricional (fluência do prazo).

Havia previsão normativa do prazo prescricional de 5 anos para os casos de ausência de vínculo efetivo do agente ímprobo, contados do término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança (anterior art. 23, I, Lei nº 8.429/1992). Jurisprudência pretérita: 

“(..) é firme a jurisprudência do STJ no sentido de que o prazo prescricional previsto no art. 23, I, da Lei 8.429/1992, nos casos de reeleição, tem como termo inicial o encerramento do segundo mandato, em que se dá a cessação do vínculo do agente ímprobo com a Administração Pública.” (STJ – REsp 1.630.958/SP, 1ª Turma, j. 19/09/2017).

NOVIDADE: A instauração de inquérito civil ou de processo administrativo suspende o curso do prazo prescricional por até 180 dias corridos, recomeçando a correr após a sua conclusão ou, caso não concluído o processo, esgotado o prazo de suspensão (art. 23, § 1º Lei nº 8.429/1992, incluído pela Lei nº 14.230/2021).

Art. 23. (...)

§ 1º A instauração de inquérito civil ou de processo administrativo para apuração dos ilícitos referidos nesta Lei suspende o curso do prazo prescricional por, no máximo, 180 (cento e oitenta) dias corridos, recomeçando a correr após a sua conclusão ou, caso não concluído o processo, esgotado o prazo de suspensão.           (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)

Obs.: o IC até pode ser prorrogada por mais 180 dias, todavia o prazo prescricional volta a fluir. 

  • PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE

Prescrição intercorrente é a prescrição no curso do processo.

Vale ressaltar que o Código de Processo Civil já previa a prescrição intercorrente nos parágrafos do art. 921. Assim, reconhecida a prescrição intercorrente, o juiz extingue a execução, na forma do art. 924, inciso V, do CPC. Com a Lei 14.230/21, temos isso também na ação de improbidade.

NOVIDADE: Há vários marcos de interrupção da prescrição, que recomeçará a contar, em cada caso, pela metade (do prazo de 8 anos, isto é, por 4 anos) do dia da interrupção, podendo o juiz reconhecer a ocorrência da prescrição intercorrente (art. 23, § 4º Lei nº 8.429/1992, incluído pela Lei nº 14.230/2021).

Art. 23. (...)

§ 4º O prazo da prescrição referido no caput deste artigo interrompe-se:         (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)

I - pelo ajuizamento da ação de improbidade administrativa;         (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)

II - pela publicação da sentença condenatória;         (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)

III - pela publicação de decisão ou acórdão de Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal que confirma sentença condenatória ou que reforma sentença de improcedência;       (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)

IV - pela publicação de decisão ou acórdão do Superior Tribunal de Justiça que confirma acórdão condenatório ou que reforma acórdão de improcedência;       (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)

V - pela publicação de decisão ou acórdão do Supremo Tribunal Federal que confirma acórdão condenatório ou que reforma acórdão de improcedência.       (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)

§ 5º Interrompida a prescrição, o prazo recomeça a correr do dia da interrupção, pela metade do prazo previsto no caput deste artigo.       (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)

§ 6º A suspensão e a interrupção da prescrição produzem efeitos relativamente a todos os que concorreram para a prática do ato de improbidade.       (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)

§ 7º Nos atos de improbidade conexos que sejam objeto do mesmo processo, a suspensão e a interrupção relativas a qualquer deles estendem-se aos demais.       (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)

§ 8º O juiz ou o tribunal, depois de ouvido o Ministério Público, deverá, de ofício ou a requerimento da parte interessada, reconhecer a prescrição intercorrente da pretensão sancionadora e decretá-la de imediato, caso, entre os marcos interruptivos referidos no § 4º, transcorra o prazo previsto no § 5º deste artigo.       (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)

Nesse contexto, a orientação do Ministério Público Federal faz alusão à aplicabilidade intertemporal desta norma:

“01) Por sua índole exclusivamente processual, a prescrição intercorrente sujeita-se ao princípio do tempus regit actum (art. 14, CPC), contando-se os prazos do novo art. 23, § 4º da LIA somente a partir da entrada em vigor da Lei 14.230/2021. 02) A prescrição intercorrente não ocorre se a demora na solução do feito é imputável ao serviço judiciário, pois ‘a parte não será prejudicada pela demora imputável exclusivamente ao serviço judiciário’ (art. 240,§ 3º, CPC)” (Orientação nº 12, de 12/11/2021, 5ª Câmara de Coordenação e Revisão - Combate à Corrupção, Ministério Público Federal).

  • PRESCRIÇÃO APLICÁVEL AO TERCEIRO (art. 3º, Lei nº 8.429/1992)

- Jurisprudência pretérita: 

Súmula nº 634, STJ: “Ao particular aplica-se o mesmo regime prescricional previsto na Lei de Improbidade Administrativa para o agente público”. 

NOVIDADE: Há previsão de aplicação das normas sobre suspensão e interrupção de prescrição ao terceiro (art. 23, § 6º Lei nº 8.429/1992, incluído pela Lei nº 14.230/2021).

  • PRESCRIÇÃO DOS ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA E O RESSARCIMENTO AO ERÁRIO (art. 37, § 5º, CRFB)

Jurisprudência pretérita: 

“4. Consectariamente, uma vez autorizada a cumulação de pedidos condenatório e ressarcitório em sede de ação por improbidade administrativa, a rejeição de um dos pedidos, in casu, o condenatório, porquanto considerada prescrita a demanda (art. 23, I, da Lei n.º 8.429/92), não obsta o prosseguimento da demanda quanto ao pedido ressarcitório em razão de sua imprescritibilidade” (STJ – REsp 1.089.492/RO, 1ª Turma, j. 04/11/2010).

Tese de recurso especial repetitivo nº 1.089, STJ, j. 22/09/2021: “Na ação civil pública por ato de improbidade administrativa é possível o prosseguimento da demanda para pleitear o ressarcimento do dano ao erário, ainda que sejam declaradas prescritas as demais sanções previstas no art. 12 da Lei 8.429/92”.

NOVIDADE: Há possibilidade de conversão da ação de improbidade administrativa em ação civil pública (art. 17, § 16º Lei nº 8.429/1992, incluído pela Lei nº 14.230/2021)

Art. 17. (...)

§ 16. A qualquer momento, se o magistrado identificar a existência de ilegalidades ou de irregularidades administrativas a serem sanadas sem que estejam presentes todos os requisitos para a imposição das sanções aos agentes incluídos no polo passivo da demanda, poderá, em decisão motivada, converter a ação de improbidade administrativa em ação civil pública, regulada pela Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985.       (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)

  • PRESCRIÇÃO DOS ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA E O RESSARCIMENTO AO ERÁRIO (art. 37, § 5º, CRFB)

Continuam aplicáveis as seguintes teses:

Tese de repercussão geral nº 897, STF, j. 08/08/2018: “São imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa”. 

Tese de repercussão geral nº 666, STF, j. 03/02/2016: “É prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil”.

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