Saiba tudo sobre o princípio constitucional da reserva legal

Veja conosco mais informações sobre o princípio constitucional da reserva legal e fique mais perto da sua aprovação em concursos públicos.

escrevemos previamente aqui no blog do Master Juris sobre os principais princípios penais. A ideia do presente artigo, no entanto, é de analisar com maior profundidade o princípio constitucional da reserva legal.

Princípios Constitucionais de Direito Penal

A iniciar, como podemos definir os princípios? O dicionário Oxford, dentre tantas outras, diz um princípio é a proposição elementar e fundamental na qual toda uma ordem de conhecimentos se baseia, uma proposição lógica fundamental na qual todo um raciocínio se baseia.

Tomando o direito penal, princípios são os valores fundamentais que inspiram a sua criação e aplicação, delimitando seu campo de incidência, como deve se dar seu uso prático, em quais pensamentos a matéria deve se apoiar, dentre outros. Tais valores devem ser considerados pelo legislador, ao criar leis, e pelos aplicadores do direito, no momento de interpretarem e utilizarem as normas jurídico-penais.

Na ordem constitucional vigente, temos princípios implícitos e explícitos. Aqueles são encontrados quando interpretamos o ordenamento jurídico como um todo, como um conjunto de valores com uma finalidade. Independente, princípios possuem força normativa, devendo, portanto, ser ponderados quando do uso das normas jurídicas.

Feita essa breve observação, para que você entendesse melhor o que são princípios, vamos à análise do princípio constitucional da reserva legal!

Princípio da reserva legal

O princípio da reserva legal vem insculpido no artigo 5°, inciso XXXIX, da Constituição Federal e no artigo 1° do Código Penal:

Art. 5°. [...] XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal;

Anterioridade da Lei
Art. 1º - Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal.

Também chamado de princípio da estrita legalidade, ele tem origem na Magna Carta de 1215, de João Sem Terra. Segundo ele, a lei, e somente a lei, é a fonte formal imediata do direito penal, de modo que só ela pode criar crimes e determinar as respectivas penas.

 Esta razão de ser tem um motivo: evitar os arbítrios do Estado. Era comum que imperadores absolutistas determinassem penas por crimes que não eram previstos. Para evitar tais abusos, o tipo penal e sua respectiva penalidade devem ser descritos na norma.

1. Fundamentos do princípio da reserva legal

Como explicado, o princípio tem alguns fundamentos para sua criação.

A última explicação que vimos acima trata do fundamento jurídico do princípio da reserva legal: a lei deve ser taxativa, descrevendo com a maior precisão possível o conteúdo mínimo a conduta criminosa.

O fundamento político, também brevemente explicado, enfatiza a proteção do ser humano contra o arbítrio do Estado. Ou seja, ele cria uma blindagem em favor do cidadão, que saberá porque está sendo processado e quais podem ser as penalidades a ele aplicadas caso pratique a conduta tipificada. No mais, para o que não for proibido, o cidadão pode agir como bem entender, sem receio de que sofra punições.

Nessa dimensão política, podemos notar com clareza o surgimento do direito penal e sua codificação expressa como um direito de primeira geração, ao proteger as pessoas do arbítrio estatal.

O Supremo Tribunal Federal diz que também há um fundamento democrático no princípio da reserva legal: por este, fica estabelecido que o povo é quem determina quais condutas são crime e suas respectivas penas.

2. Princípio da reserva legal e princípio da legalidade

Nesse ponto do texto, é importante diferenciar o princípio da reserva legal do princípio da legalidade. No entanto, é também relevante saber que alguns autores os tratam como sinônimos e outros colocam o segundo como espécie do primeiro.

Independente da posição, é importante anotar para provas as diferenças levantadas entre os princípios. Em relação à reserva legal, vimos sua definição acima.

Quanto ao princípio da legalidade, este vem insculpido no inciso II do artigo 5° da Constituição Federal:

Art. 5°. [...] II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;

Podemos notar que o princípio da legalidade tem espectro mais amplo que o da reserva legal.

O princípio da legalidade, ao citar a palavra “lei”, a descreve em sentido amplo, ou seja, admitindo qualquer uma das espécies normativas previstas no artigo 59 da Constituição:

Art. 59. O processo legislativo compreende a elaboração de:
I - emendas à Constituição;
II - leis complementares;
III - leis ordinárias;
IV - leis delegadas;
V - medidas provisórias;
VI - decretos legislativos;
VII - resoluções.

Logo, um decreto de uma prefeitura proibindo a entrada de homens em determinado recinto governamental sem calça comprida é lei para efeitos do inciso II do artigo 5° da Constituição Federal. Contudo, para fins penais, a palavra “lei” descrita no inciso XXXIX do artigo 5° da Carta Magna reclama por uma lei em sentido estrito, ou seja, uma lei formada conforme as exigências do processo legislativo.

Portanto, penalmente, a proibição via decreto de usar calças em certos espaços não traz repercussão alguma.

Importante também notar que a lei deve ser elaborada privativamente pela União, podendo excepcionalmente ser realizada por estados-membros:

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho; [...]
Parágrafo único. Lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas neste artigo.

3. Crimes culposos, normas penais em branco e tipos abertos

O fato do princípio da reserva legal exigir que o conteúdo normativo seja taxativo não quer dizer que ele deve ser total. Por isso que se diz, no fundamento jurídico, que deve haver descrição da conduta mínima.

Há razões para isso: primeiro, o legislador ficaria engessado descrevendo pormenorizadamente cada tipo e a respectiva pena. Segundo, normas penais em branco, crimes culposos e tipos abertos não seriam possíveis: imagina o legislador ter que colocar na lei cada substância entorpecente ilícita e ter que atualizar esse rol a cada vez que uma nova substância surge.

A criação de leis, por si só, é um ato demorado, com diversas burocracias a serem observadas. Se coubesse ao legislador a atividade de descrever minuciosamente cada conduta, seria impossível a criação de tipos abertos e normas penais em branco, bem como explicar cada conduta que resultaria em crime culposo.

4. Medidas provisórias

Em relação à edição de medidas provisórias sobre direito penal, devemos ler inicialmente o artigo 62, §1°, inciso I, item “b”, da Constituição Federal:

Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional.
§ 1º É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria:
I – relativa a: [...]
b) direito penal, processual penal e processual civil;

Ou seja, a própria Constituição proíbe a edição de medidas provisórias que tratem sobre direito penal.

Apesar disso, o Poder Executivo Federal já editou medidas provisórias que tratavam de matéria penal. O estatuto do desarmamento é nosso exemplo.

O estatuto do desarmamento estabeleceu um prazo para que houvesse a entrega de armas ilegais às autoridades extinguindo a punibilidade desses possuidores. Passado o prazo inicialmente estabelecido, houve sua prorrogação por meio de medida provisória. A questão a respeito da validade da medida chegou ao Supremo Tribunal Federal, que decidiu que não houve ilegalidade no ato por ser mais favorável.

Na doutrina, temos uma segunda posição, que rechaça esse entendimento da Corte Suprema. Para esses professores, a Constituição Federal é clara em vedar medidas provisórias sobre matéria penal, sejam elas favoráveis ou não aos réus.

5. Reserva legal e mandados de criminalização

Na Constituição Federal, temos algumas ordens emitidas pelo Legislador Constituinte determinando a criminalização de determinadas condutas. Por exemplo, no inciso XLIII do artigo 5° da Carta Magna, temos a seguinte previsão:

Art. 5°. [...] XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem;

Em virtude dessa previsão, em 2016 houve a edição da Lei 13.260, que dá cumprimento ao mandado de criminalização do crime de terrorismo.

Outro exemplo está no artigo 225 da Constituição:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.
§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

Este mandado foi cumprido pela Lei 9.605/98.

Há ainda quem defenda um mandado implícito de criminalização da corrupção: afinal, nosso Estado é republicano, nos moldes do artigo 1° da Lei Maior:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

Aliado a isso, no caput do artigo 37, temos uma série de princípios a serem obedecidos:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

A corrupção atenta contra os valores do caput do artigo 37 e atenta contra a coisa pública, ou seja, contra a República em si. Ela é praticada de maneira sigilosa, ou seja, atenta contra a publicidade, é imoral e favorece o privado em detrimento do público. Sendo assim, ela é implicitamente proibida pelo nosso ordenamento, de modo que há um mandado de criminalização não expresso dessa forma.

6. Princípio da taxatividade

Decorre do fundamento jurídico do princípio da reserva legal. Taxatividade é a delimitação expressa da conduta incriminadora e diz respeito à certeza e determinação de uma conduta.

Pela taxatividade, quanto mais determinado e preciso for o tipo penal, melhor ele exerce sua função de proteção do cidadão contra as arbitrariedades estatais. Logo, a norma penal incriminadora tem de ser a mais clara e determinada possível, não dando grandes margens de complementação ao intérprete pois, quanto mais aberta para interpretação, maiores são as chances de abusividade por parte do Estado e de fuga ao verdadeiro espírito da norma.

Em alguns casos, o legislador não tem como falar em tipo penal fechado. Diante da palavra “possível” prevista na definição da taxatividade, criou-se o tipo aberto, pois nem sempre é viável elencar as inúmeras condições, situações ou maneiras pelas quais os fatos se dão na sociedade. Citamos como exemplo o artigo 154 do Código Penal:

Violação de Sigilo Profissional
Art. 154 - Revelar alguém, sem justa causa, segredo, de que tem ciência em razão de função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem:

Nada há de inconstitucional no dispositivo formado pelo tipo penal aberto. No que tange ao termo “sem justa causa”, é impossível que o legislador arrole todas as condições que definem a “justa causa”, necessitando, assim, da criação do tipo penal aberto.

ATENÇÃO! O tipo penal aberto fragiliza a função de garantia do tipo penal, pois no momento da interpretação, esse pode assumir formas diversas. Ainda assim, o tipo penal aberto não burla a legalidade e a taxatividade.

O tipo "homicídio culposo", previsto no artigo 121, §3°, do Código Penal, também é aberto, pois não define o que é culpa, cabendo ao intérprete definir seu verdadeiro alcance.

Art. 121. [...]
Homicídio culposo
§ 3º Se o homicídio é culposo:
Pena - detenção, de um a três anos.

Enfim terminamos a análise do princípio da reserva legal...

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