Inovações legislativas 2019 – A regulamentação da multipropriedade

O tema acerca da multipropriedade não é nenhuma novidade dentro do dia a dia do direito imobiliário. A grande diferença é tratar do instituto agora que ele é tutelado em lei pelo direito civil.

O instituto da multipropriedade sofreu recente regulamentação, mais precisamente no final de 2018, pela Lei n° 13.777/2018, que alterou a redação do art. 1.358 do Código Civil e dos artigos 176 e 178 da Lei de Registros Públicos (Lei n°6.015/73).

Como dito, a multipropriedade (ou time sharing) não é recente na prática imobiliária, sendo inclusive bastante presente em diversos empreendimentos, especialmente naqueles destinados ao lazer e ao período de férias das pessoas (condomínios de casas de campo ou de praia são bons exemplos).

Trata-se de instituto de origem europeia (surgiu na França, na década de 60) que foi amplamente difundido pelos países europeus e Estados Unidos, chegando ao Brasil como mais um produto imobiliário. É de grande atrativo para empresários, por ser altamente rentável e não se limitar aos bens imóveis, podendo ser utilizada também em aeronaves, veículos automotores e barcos.

A multipropriedade funciona como um condomínio, no qual todos os condôminos possuem direito a usar o imóvel ou bem móvel por determinado período anualmente. Aqui, a propriedade é compartilhada, tendo cada condômino, os direitos inerentes à propriedade enquanto estiverem em posse do bem.

Como funciona na prática? Muito simples: imagine um condomínio de casas sob o regime da multipropriedade numa região turística qualquer. Você, como condômino, terá direito ao uso e gozo de uma unidade por certos dias durante todos os anos. Assim como você, outro condômino/multiproprietário também terá esse mesmo direito, e o número de dias que cada um terá direito será proporcional ao valor investido no negócio. É possível que um condômino tenha direito a mais dias para usufruir do bem que outro, devendo apenas ser respeitado o mínimo de 7 dias por ano por multiproprietário.

Conceito

Podemos conceituar o instituto usando a preciosa lição do Professor Gustavo Tepedino, na qual a multipropriedade é o “fracionamento no tempo da titularidade dominical”, ou seja, a propriedade se divide no tempo, sendo, então, possível que várias pessoas sejam proprietárias do mesmo bem.

O legislador também se preocupou em trazer um conceito legal ao instituto no artigo 1.358-C, definindo a multipropriedade como o “regime de condomínio em que cada um dos proprietários de um mesmo imóvel é titular de uma fração de tempo, à qual corresponde a faculdade de uso e gozo, com exclusividade, da totalidade do imóvel, a ser exercida pelos proprietários de forma alternada”.

A novidade legislativa

Houve preocupação em delimitar regras que antes não eram claras aos aplicadores do direito, como tempo de duração da propriedade por ano, obrigações entre os condôminos e tributárias, formas de transferência, dentre outras.

Isso foi feito através da inclusão do Capítulo VII –A ao Código Civil, que introduziu os artigos 1.358-B a 1.358-E na legislação, tratando do condomínio em multipropriedade.

O parágrafo único do mesmo artigo dispõe que a multipropriedade não se extingue automaticamente se todas as frações de tempo estiverem sob domínio de um único proprietário.

Isto é interessantíssimo, pois permite ao proprietário realizar a transferência de parcelas de tempo, o que é altamente atrativo no aspecto financeiro, demonstrando o quanto o legislador prestigiou o instituto e o mercado imobiliário.

Ademais, é possível concluir que o princípio da autonomia privada também é bastante prestigiado neste instituto. Ora, se o negócio jurídico em questão versa em regra sobre bens com o fim de proporcionar lazer, e não moradia, pode-se afirmar que há sim uma prevalência do instituto sobre a função social da propriedade.

Acerca da já mencionada fração de tempo, o artigo 1.358-E dispõe que cada fração de tempo é indivisível, correspondendo a no mínimo 7 dias seguidos ou intercalados. Muito cuidado, pois intercalar os dias de uso e gozo não significa dividir a fração de tempo!

Essa demarcação de tempo pode ser feita de duas formas principais, fixa ou flutuante. Na primeira, tem-se um período pré-determinado de forma certa, no mesmo período de cada ano; já na forma flutuante, a determinação será realizada periodicamente, em procedimento hígido e objetivo entre os condôminos.

Vale destacar que todos os multiproprietários terão direito a uma mesma quantidade mínima de dias seguidos durante o ano, podendo haver aquisição de frações maiores, com o correspondende direito ao uso por períodos também maiores, atendendo ao princípio da proporcionalidade.

A instituição da multipropriedade será feita a partir de ato entre vivos ou testamento, devendo ser registrado no competente cartório constando no ato a duração de fração de tempo, conforme dispõe o artigo 1.358-F do Código Civil.

Como se trata, em última análise, de um condomínio, a convenção condominial poderá estipular poderes e deveres entre os condôminos, com destaque para o número máximo de pessoas que podem ocupar simultaneamente o imóvel no período correspondente a cada fração de tempo. As demais hipóteses podem ser lidas no artigo 1.358-G.

Mister identificar que o artigo 1.358-H do Código Civil traz a possibilidade de o instrumento de instituição ou a convenção estabelecerem um limite máximo de frações de tempo que uma pessoa física ou jurídica poderá ser titular.

Uma leitura atenta ao dispositivo permite o entendimento pela possibilidade de realizar contratos como o de locação ou comodato, entre o multiproprietário e terceiros, o que parece ser correto, tendo em vista a redação do art. 1.358-L, inciso II, que versa sobre o rol de direitos e obrigações dos multiproprietários.

Ainda sobre esse artigo, faz-se necessário atentar ao seu inciso III, que pugna pelo direito à viabilidade de alienação de fração de tempo por ato entre vivos ou causa mortis, a título oneroso ou gratuito, sem que seja necessária autorização dos demais condôminos.

Ainda sobre os direitos e obrigações, elencamos o inciso VIII, que versa sobre a obrigação do multiproprietário em desocupar o imóvel, impreterivelmente, até o dia e hora fixados no instrumento de instituição ou na convenção de condomínio, sob pena de multa diária.

Dúvida, que havia sido sanada, mas voltou a surgir, é quanto à responsabilidade pelo pagamento de tributos e contribuições condominiais sobre o imóvel. O artigo 1.358-J, §5º, havia comandado que cada condômino responderia proporcionalmente à sua fração de tempo. Porém, tal dispositivo encontra-se vetado, o que reascende a discussão acerca do tema e inevitavelmente a insegurança jurídica quanto às cobranças do Fisco. Isso pode comprometer a regular situação da multipropriedade no que tange a comprovação de situação através das certidões negativas de débitos.

Deve-se prestar atenção também ao disposto no art. 1.358-L, que fala sobre o já mencionado direito de transferência da multipropriedade. Não haverá direito de preferência aos condôminos na alienação de fração de tempo, salvo se estabelecido no instrumento de instituição ou na convenção do condomínio.

Leitura complementar

Recomenda-se ao aluno a leitura dos artigos 1.358-O ao 1.358-U do Código Civil. Lá, irão ver as regras específicas sobre multipropriedade nos condomínios edilícios.

Visto isso, espero que vocês, caros leitores, tenham aproveitado ao máximo este pequeno texto. Em breve estarei de volta, trazendo mais um tema recente na legislação! Não se esqueça de acessar as outras postagens do site. Trazemos sempre conteúdo de qualidade pra você! 😉

Artigos Mais Lidos:

Respostas

  1. Ótimo texto! Tanto os acadêmicos, quanto os colegas que atuam na área poderão esclarecer melhor o assunto com este conteúdo.
    Trabalho há 4 anos no ramo do Direito Imobiliário e já é possível observar que a regulamentação recente do assunto afeta grande parte do mercado, exemplificativamente o setor de hotelaria e os demais que foram, brilhantemente, citados no texto.