História do voto no Brasil

As eleições municipais de 2020 estão se aproximando e a expectativa é que mais de 147 milhões de eleitores compareçam às urnas para eleger seus prefeitos e vereadores. Apesar do número expressivo, a realidade nem sempre foi essa. Durante a maior parte da República, a possibilidade de votar para eleger representantes e governantes era restrita a determinadas camadas da população. A fórmula do voto “direto, secreto, universal e periódico” é resultado de um processo histórico complexo.

Faz quase 500 anos da primeira eleição no Brasil. Em 1532 os moradores da vila de São Vicente, primeira fundada por portugueses em São Paulo, elegeram os membros da câmara municipal. Os chamados “homens bons” se reuniam na igreja da vila para realizar as eleições da câmara. Apenas os homens livres e proprietários de terra poderiam votar, ainda que fossem analfabetos, já que o ensino formal não era regra e não se tinha como comprovar um grau de instrução. Pessoas negras, escravizadas, indígenas e judeus (mesmo convertidos) e homens que tinham que exercer trabalhos manuais como alfaiates ficavam de fora. Essa tradição portuguesa para escolher os vereadores durou até o início do Brasil Independente e acabou apenas em 1828. O exemplo de São Vicente mostra que eleições e votos não são uma novidade no brasil e remontam ao início da colonização portuguesa, porém de maneira muito pouco inclusiva.

A primeira eleição nacional que ocorreu no Brasil foi um pouco antes da independência quando foram os escolhidos os deputados brasileiros para as Cortes Gerais Extraordinárias e Constituintes da Nação Portuguesa, nome pomposo para assembleia em que os cidadãos do Império Português elaborariam uma constituição para acabar com o absolutismo. A eleição ocorria em 4 graus: os eleitores elegiam representantes, que elegiam representantes até que os deputados propriamente ditos eram eleitos.

A forma de organizar esses diferentes graus de eleição foi outra herança portuguesa que durou bastante tempo no Brasil. Esse sistema indireto foi o principal sistema de voto do período monárquico junto com um voto censitário, de acordo com a renda do eleitor. Com a constituição de 1824, que vigeu por toda a monarquia, podiam votar os homens livres e maiores de 25 anos. Homens casados e oficiais militares precisavam ter pelo menos 21 anos. Padres ou bacharéis não tinham idade mínima.

Neste período, as eleições eram em 2 graus: no primeiro grau era necessária uma renda anual de cem mil réis, o que não era tanto na época. Os eleitores do primeiro grau escolhiam os eleitores do segundo grau que tinham que ter uma renda anual de 200 mil réis e, por fim, estes escolhiam os deputados, que tinham que ter uma renda de 400 mil réis.

Nenhum desses voto era secreto e, por conta disso, durante muito tempo as eleições brasileiras foram bastante violentas desde rixas pessoais até disputas maiores. Homens negros libertos ou condenados por crimes só podiam votar no primeiro grau e estrangeiros podiam votar mas não ser eleitos. Além disto, o homem deveria ser católico para ser eleito, pois o Estado não era laico.

Os deputados do partido que conseguisse a maioria indicavam o presidente do conselho de ministros, algo como o “primeiro ministro”. Além disso os eleitores de segundo grau indicavam três nomes para cada cargo de senador disponível na província que fazia parte do conselho de estado. Os senadores deveriam ter renda mínima de 800 mil réis e ao menos 40 anos de idade, o que era bastante para a época, considerando que a expectativa de vida no Brasil era na casa dos 35 anos. Da lista de 3 nomes indicados, o imperador escolhia um para o exercício do cargo, que era vitalício.

Em 1881 é estabelecido eleição direta, com a Lei Saraiva. O alistamento eleitoral deixou de ser feito nas igrejas e foi entregue à justiça. Neste período surge o título de eleitor e o analfabeto é proibido de votar. A partir da Lei Saraiva, a renda do eleitor tinha que ser comprovada por documentos. Estes e outros mecanismos foram utilizados para limitar os eleitores a cerca de 1,5% da população, já que com o processo de fim da escravidão no Brasil a cúpula do poder temia o aumento do numero de votos de negros e pobres.

Derrubada a monarquia, na Constituinte de 1890, a discussão sobre o voto feminino foi intensa. O anteprojeto de Constituição, mandado elaborar pelo governo provisório, não concedia o sufrágio à mulher mas, na chamada Comissão dos 21, no Congresso, três deputados propuseram que ele fosse concedido “às mulheres diplomadas com títulos científicos e de professora, desde que não estivessem sob o poder marital nem paterno, bem como às que estivessem na posse de seus bens.” A emenda não foi aceita.

Adversários do voto feminino declaram que, com ele, se teria decretada “a dissolução da família brasileira” (Moniz Freire. Anais. v. II, p. 233. In: ROURE, Agenor de, ob. cit. p. 233); que a mulher não possuía capacidade, pois não tinha, “no Estado, o mesmo valor que o homem”. E se indagava: “A mulher pode prestar o serviço militar, pode ser soldado ou marinheiro?” (Lacerda Coutinho. Anais. v. II, p. 285. In: ROURE, Agenor de. ob. cit., p. 283.) A proposta do voto feminino era “anárquica, desastrada, fatal” (SODRÉ, Lauro. Anais. v. II, p. 246. In: ROURE, Agenor de. ob. cit., p. 280).

Logo, com a Primeira República quem poderia votar eram apenas os homens maiores de 21 anos e alfabetizados. Embora não fosse mais necessário a comprovação de renda, apenas cerca de 2% e meio da população votava. Cada Estado elegia três senadores para mandato de nove anos e deputados para mandatos de três anos. Ainda não tinha voto secreto e o presidente e o vice eram escolhidos de forma separada. O sistema durou até 1964 e também não havia segundo turno. Se nenhum dos candidatos obtivesse a maioria, o congresso escolheria entre os dois candidatos mais votados.

Outro procedimento da época era comissão de verificação de poderes, a popular “degola”. Apesar do nome pomposo, era um órgão para forjar o anular votos evitando grandes mudanças na estrutura política. Por exemplo o, deputado Monteiro Lopes, um dos primeiros políticos negros brasileiros só foi empossado na terceira vez em que foi eleito após muita pressão popular.

A instituição do voto secreto nas eleições nacionais chega apenas com o código eleitoral de 1932 que também estabeleceu o voto feminino. A redação final do código, trazida pelo Decreto nº 21.076, de 24 de fevereiro de 1932, considerou eleitor “o cidadão maior de 21 anos, sem distinção de sexo (...)”

A Constituição promulgada em 1934 veio dispor que eleitores seriam “os brasileiros de um ou de outro sexo, maiores de 18 anos”, que se alistassem na forma da lei (art. 108). Na constituinte estava Carlota Pereira de Queiroz, a primeira deputada federal eleita da história do Brasil.

Mas a mesma Constituição determinava em seu art. 109: “O alistamento e o voto são obrigatórios para os homens, e para as mulheres, quando estas exerçam função pública remunerada, sob as sanções e salvas as exceções que a lei determinar.”

A Constituição de 10 de novembro de 1937 repetiria, em seu art. 117, a disposição do art. 108 da Carta anterior e omitiria qualquer referência quanto à obrigatoriedade do alistamento ou do voto.

Com golpe de 1937, será apenas em 1945 em que, pela primeira vez, mais de 10% da população, incluindo as mulheres, votam para o principal cargo nacional, com a eleição de Eurico Gaspar Dutra. A partir de 1945, estava claro, agora, que não se poderia afastar o sufrágio feminino, tendo a Constituição declarado, simplesmente: “Art. 131. São eleitores os brasileiros maiores de dezoito anos que se alistarem na forma da lei.” Mas, logo depois, determinava: “Art. 133. O alistamento e o voto são obrigatórios para os brasileiros de ambos os sexos, salvo as exceções previstas em lei.”

As quatro eleições entre 1945 e 1960 são a primeira sequência de eleições diretas, universais e multipartidárias para a presidência da república.

Após o golpe militar de 1964, foram banidas a maioria das eleições para o executivo e, embora o legislativo federal seja mantida em parte do período as eleições, elas não eram multipartidárias, sendo que a partir de 1977, o governo nomeado um terço do senado.

Apenas em 1989, a população brasileira vai voltar a eleger a presidência eleições diretas, universais e multipartidárias. A Constituição de 1988 estabeleceu o voto obrigatório, sendo facultativo apenas para jovens de 16 a 18 anos, pessoas maiores de 70 anos e os analfabetos. O segundo turno é realizado caso um candidato não alcance a maioria dos votos nas eleições para presidente, governador e prefeito de cidades com mais de 200 mil eleitores.

Questões de concurso:

Banca: IESES Órgão: TJ-PA Prova: IESES - 2016 - TJ-PA - Titular de Serviços de Notas e de Registros - Remoção

A Carta Magna que trouxe diversas novidades, dentre estas a constitucionalização dos direitos sociais, a criação da Justiça Eleitoral, o sufrágio feminino, o voto secreto e o mandado de segurança, refere-se a:

A) Constituição da República Federativa de 1988.

B) Carta Constitucional de 1934.

C) Carta Constitucional de 1824.

D) Carta Magna de 1891.

Gabarito: B)

Banca: FCC Órgão: DPE-SP Prova: FCC - 2008 - DPE-SP - Oficial de Defensoria Pública

Nos termos do que estabelece a Constituição Federal, a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto

A) facultativo para os analfabetos e maiores de 70 (setenta) anos.

B) obrigatório para os maiores de dezesseis anos.

C) obrigatório para todos, inclusive os analfabetos.

D) obrigatório para todos, inclusive para os maiores de 70 (setenta) anos.

E) facultativo para os maiores de 60 (sessenta) anos.

Gabarito A)

Banca: VUNESP Órgão: TJ-RJ Prova: VUNESP - 2011 - TJ-RJ - Juiz

Na evolução político-constitucional brasileira, o voto femi- nino no Brasil foi expressamente previsto pela primeira vez num texto constitucional na Constituição de

A) 1891.

B) 1934

C) 1937.

D) 1946.

Gabarito: B)

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