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LEI nº 14.230, de 25/10/2021

Vamos imergir no estudo da ação de improbidade administrativa - lei 8.429/1992, alterada pela lei 14.230/2021. Note-se que a lei de improbidade administrativa continua a mesma, mas ela foi substancialmente alterada pelo legislador em 2021.

Vamos, assim, abordar quais foram as alterações, inovações e revogações promovidas pela lei de 14.230/2021. 

Com efeito, a lei nº 14.230, de 25/10/2021, promove alterações na Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/1992), cuja vigência da alteração legislativa ocorreu na data de sua publicação (art. 5º, Lei nº 14.230/2021).

Art. 5º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Diante de uma visão geral, um primeiro ponto que vale anotar: a lei 14.230/2021 promove uma disrupção do modelo anterior. 

Nesse ponto, é importante ressalvar que o art. 1º, §4º, da LIA, impõe a aplicação dos princípios do direito administrativo sancionador à lei de improbidade administrativo. Essa previsão imprime uma mudança de paradigma. Isso porque vários institutos do direito sancionados passam ser aplicados, incontornavelmente, à LIA, tais como, contraditório e ampla defesa, legalidade no viés da tipicidade, pessoalidade da pena, retroatividade da lei mais benéfica, embora o STJ já aplicasse, em parte, esses ideais.

Ademais, há nítido distanciamento do microssistema de tutela coletiva (v.g., inaplicação da remessa necessária, vide art. 17, § 19, IV, Lei nº 8.429/1992, incluído pela Lei nº 14.230/2021). Vale anotar que, ao se tratar de ação de improbidade administrativa, esta é considerada uma ação coletiva, conjuntamente com ação civil pública, ação popular, mandado de segurança coletivo (microssistema coletivo). Assim, até então, se aplica (ou se aplicava) o que se chama de microssistema processual de tutela coletiva.

O que que é um microssistema processual? 

É um microssistema com regras próprias, que devem ser aplicáveis analogicamente, sistematicamente. Ou seja, são várias leis sobre ações coletivas, que devem se interpretar, que deve subsidiar, os vários instrumentos de tutela coletiva.

Conforme destaca a doutrina:

O microssistema da tutela coletiva é o conjunto formado pelas normas processuais, materiais e heterotópicas sobre o processo coletivo nas diversas normas jurídicas positivadas em nosso ordenamento. Estas normas jurídicas disseminadas formam um conjunto (ainda que de maneira informal, sem a sistematização em um único diploma legislativo) de regras jurídicas que regulamentam a tutela coletiva. (BASTOS, Fabrício Rocha. Do Microssistema da Tutela Coletiva e a Sua Interação com o CPC/2015. In: Revista do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, nº 68, p. 57-132, abr./jun. 2018.)

Ex.: na lei da ação popular, o artigo 21 da Lei 4.717/65 prevê o prazo de 5 anos de prescrição. Esse prazo se aplica às ACPs, embora na lei de ação civil pública não haja previsão de prazo prescricional. Outro exemplo é na lei da ação popular, em que há a previsão de remessa necessária em prol da coletividade (art. 19 da Lei 4.717/65); o STJ entende que isso se aplica, pelo microssistema processual, à ACP. Todavia, o Legislador, em 2021, afastou a aplicação da remessa necessária no âmbito da ação de improbidade administrativa (art. 17, §19, da lei 8.429/92).

Outro exemplo do afastamento do microssistema: o prazo prescricional das ações coletivas é, em regra, de 5 anos, nos termos do art. 21 da LAP.  Agora, com a Lei nº 14.230/2021, na ação de improbidade administrativa, o prazo prescricional passa a ser de 8 anos (art. 23 da Lei 8.429/92). 

Ainda, outro exemplo: a legitimidade ativa na ação coletiva é concorrente, ou seja, há vários legitimados ativos para propositura de demandas para a tutela de diretos transindividuais e individuais homogêneos (art. 5º, da Lei 7.34/85). Com a Lei nº 14.230/2021, a LIA passou a legitimar exclusivamente o Ministério Público.

Outro ponto importante a ser mencionado é a contenção do açodamento da persecução, diante de sua consequência negativa denominada de “apagão das canetas” (fenômeno da ossificação/paralisação da Administração Pública). Trata-se de um movimento contínuo à reforma da LINDB pela Lei nº 13.655/2018.

Com efeito, os antigos legitimados da LIA, em especial o MP que, visando a sancionar atos ímprobos em face do Poder Público, propunham ações de improbidade temerárias, o que acabou gerando consequências negativas para os administradores públicos, circunstancia que ficou conhecida como “apagão das canetas”. Assim, com receio de se tornar réu em uma ação de improbidade, o administrador se furtava da sua incumbência de decidir questões administrativas, fenômeno que ficou conhecido como “ossificação/paralisação da Administração Pública”.

Dois exemplos são fundamentais para a compressão da tentava de contornar esse problema: 

1 - NOVIDADE: Não configura improbidade a ação ou omissão decorrente de divergência interpretativa da lei, baseada em jurisprudência (art. 1º, § 8º, Lei nº 8.429/1992, incluído pela Lei nº 14.230/2021).

Art. 1º (...)

§ 8º Não configura improbidade a ação ou omissão decorrente de divergência interpretativa da lei, baseada em jurisprudência, ainda que não pacificada, mesmo que não venha a ser posteriormente prevalecente nas decisões dos órgãos de controle ou dos tribunais do Poder Judiciário.        (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)

2 - NOVIDADE: A sentença deverá considerar as consequências práticas da decisão; bem como considerar os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo (art. 17-C, II e III, Lei nº 8.429/1992, incluídos pela Lei nº 14.230/2021). Vide arts. 20 e 22, LINDB, incluídos pela Lei nº 13.655/2018.

Lei nº 14.230/2021:

Art. 17-C. A sentença proferida nos processos a que se refere esta Lei deverá, além de observar o disposto no art. 489 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil):       (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)

(...)

II - considerar as consequências práticas da decisão, sempre que decidir com base em valores jurídicos abstratos;        (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)

III - considerar os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados e das circunstâncias práticas que houverem imposto, limitado ou condicionado a ação do agente;       (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)

LINDB:

Art. 20.  Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão.                    (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)     (Regulamento)

Parágrafo único. A motivação demonstrará a necessidade e a adequação da medida imposta ou da invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, inclusive em face das possíveis alternativas.              (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)

Art. 22.  Na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados.     (Regulamento)

§ 1º  Em decisão sobre regularidade de conduta ou validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, serão consideradas as circunstâncias práticas que houverem imposto, limitado ou condicionado a ação do agente.                    (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018) 

§ 2º  Na aplicação de sanções, serão consideradas a natureza e a gravidade da infração cometida, os danos que dela provierem para a administração pública, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes do agente.                  (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)

§ 3º  As sanções aplicadas ao agente serão levadas em conta na dosimetria das demais sanções de mesma natureza e relativas ao mesmo fato.                    (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)

Portanto, o legislador de 2021 se preocupa com a atuação do gestor. Quer-se, assim, buscar um melhor equacionamento das atividades dos órgãos controle, com o objetivo de conter eventuais abusos desses órgãos.

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