Criminalização da homofobia no STF: veja como votou cada Ministro

No último dia 23 de maio, o Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria pelo entendimento no sentido de criminalização da homofobia e da transfobia

A decisão da Corte aplica às condutas homofóbicas e transfóbicas as previsões da Lei 7.716/89, que pune os crimes de preconceito de raça e cor, até que o Congresso Nacional aprove legislação sobre o tema.

O julgamento, que havia começado em fevereiro, foi retomado no dia 23 de maio, um dia após a Comissão de Constituição e Justiça do Senado ter dado andamento a um projeto de lei que criminaliza a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero.

No último dia 13 de junho, o Plenário do STF finalizou o julgamento. Por 8 votos a 3, a corte decidiu pela aplicação da Lei 7.716/89 também para esse tipo de discriminação. Veja abaixo os pedidos feitos ao STF e os trechos dos votos de cada Ministro.

As ações judiciais

O assunto chegou à Corte por meio de duas ações judiciais. A primeira é um Mandado de Injunção (MI 4733) impetrado pela Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transgêneros e Intersexos (ABGLT), em 2012; a segunda é uma Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO 26) ajuizada pelo Partido Popular Socialista (PPS), em 2013.

Segundo as ações, o artigo 5º da Constituição Federal de 1988 determina que qualquer “discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais” seja punida criminalmente. A justificativa usada pelos responsáveis é de que, ao não legislar sobre a homofobia e a transfobia, o Congresso Nacional estaria sendo inconstitucionalmente omisso, por “pura e simples má vontade institucional”.

As ações pedem, ainda, que o STF fixe um prazo para que seja criada a lei e que, caso ele não seja cumprido ou seja considerado desnecessário pela Corte, haja a regulamentação temporária da questão, aplicando a lei 7.716/89 às práticas de homofobia, até uma decisão do Congresso que criminalize o preconceito de gênero e de orientação.

Em fevereiro, os Ministros Celso de Mello, Edson Fachin, Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso se manifestaram favoráveis à criminalização da homofobia e transfobia. Em maio, a ministra Rosa Weber e o ministro Luiz Fux votaram no mesmo sentido, formando a maioria necessária de 6 votos para a procedência das ações. O julgamento foi interrompido e retomado no dia 13 de junho, após ter sido adiado por duas vezes.

Como votou cada Ministro

Edson Fachin

"NADA É MAIS ATENTATÓRIO À JUSTIÇA DO QUE TRATAR A DIGNIDADE DAS PESSOAS DE FORMA DIFERENTE"

O Ministro Edson Fachin apontou que qualquer discriminação, inclusive aquela que se fundamenta na orientação sexual das pessoas ou na sua identidade de gênero, é atentatória ao Estado Democrático de Direito. No voto de 26 páginas, o Ministro trouxe fundamentos constitucionais, jurisprudenciais e doutrinários, concluindo que existe mandamento constitucional específico de criminalização da homotransfobia. A Constituição Federal determina, em seu artigo 5º, inciso XLI, que a "lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais".

O Ministro trouxe ainda precedentes do Supremo Tribunal Federal para sustentar em seu voto que “a proteção dos direitos fundamentais pode implicar também a criação de tipos penais próprios.”

A íntegra do voto do Ministro pode ser lida aqui.

Celso de Mello

"ESSA VISÃO DE MUNDO, SENHORES MINISTROS, FUNDADA NA IDEIA, ARTIFICIALMENTE CONSTRUÍDA, DE QUE AS DIFERENÇAS BIOLÓGICAS ENTRE O HOMEM E A MULHER DEVEM DETERMINAR OS SEUS PAPÉIS SOCIAIS (‘MENINOS VESTEM AZUL E MENINAS VESTEM ROSA’), IMPÕE, NOTADAMENTE EM FACE DOS INTEGRANTES DA COMUNIDADE LGBT, UMA INACEITÁVEL RESTRIÇÃO ÀS SUAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS"

Em voto já considerado histórico, o Ministro Celso de Mello foi uma voz firme na defesa dos direitos das minorias, da Constituição federal e do papel institucional do próprio Supremo.

Em seu voto de 155 páginas, dividido em 18 capítulos, o decano do Supremo Tribunal Federal fez uma análise do tratamento conferido às pessoas LGBTs ano decorrer da História. O Ministro também teceu críticas ao governo Bolsonaro e ironizou a fala da Ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, que afirmou que “meninas usam rosa e meninos usam azul”.

Por fim, o Ministro declarou a omissão constitucional do Congresso e defendeu o papel institucional do Supremo Tribunal Federal, ao afirmar que “o STF, ao suprir as omissões inconstitucionais dos órgãos estatais e ao adotar medidas que objetivem restaurar a Constituição violada pela inércia dos Poderes do Estado nada mais faz senão cumprir a sua missão constitucional e demonstrar com este gesto o respeito incondicional que os juízes deste tribunal pela atualidade da lei fundamental da República

Leia a íntegra do voto

Alexandre de Moraes

“A LEI 7.716/1989 DEVE SER INTERPRETADA EM CONFORMIDADE COM O TEXTO CONSTITUCIONAL QUE, EXPRESSAMENTE, VEDA NÃO SOMENTE PRECONCEITOS DE ORIGEM, RAÇA, SEXO, COR, IDADE; MAS ESTENDE A PROIBIÇÃO A QUAISQUER OUTRAS FORMAS DE DISCRIMINAÇÃO”

Segundo o Ministro Alexandre de Moraes, as pessoas LGBTs foram as únicas integrantes de grupo vulnerável que não recebem proteção específica do Congresso Nacional. O Ministro afirmou que, para além das esferas civil e administrativa, a proteção de grupos mais frágeis depende também da criação de tipos penais específicos. Nessa linha de raciocínio, o ministro considerou evidente a omissão do Congresso Nacional na defesa dos interesses das pessoas LGBTs.

O Ministro argumentou que é papel do Supremo Tribunal Federal amenizar a síndrome da inefetividade que acomete determinados mandamentos constitucionais, sem que isso represente uma falta de harmonia entre os Poderes. “Assim como é missão constitucional do Congresso Nacional legislar, com absoluta independência; é dever constitucional do Supremo Tribunal Federal garantir e concretizar a máxima efetividade das normas constitucionais, em especial dos direitos e garantias fundamentais”, afirmou.

O Ministro se utilizou da técnica denominada “Interpretação conforme a Constituição”, segundo o qual é possível que o Supremo dê a uma determinada lei a interpretação que mais seja adequada aos mandamentos constitucionais. De acordo com o Ministro, os dispositivos penais da Lei 7.716/1989 devem ser interpretados em consonância com os fundamentos e objetivos da República, em especial os da dignidade da pessoa humana e da construção de uma sociedade livre, justa e solidária com a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Leia a íntegra do voto do Ministro Alexandre de Moraes.

Luis Roberto Barroso

O ministro Luís Roberto Barroso, último a votar no dia 23 de fevereiro, trouxe estatísticas sobre homofobia e transfobia no Brasil logo no início do seu voto. O Ministro destacou, ainda, o papel contramajoritário do Supremo Tribunal federal, refirmando o dever do STF de garantir os direitos das minorias, mesmo contra a vontade de uma maioria. Segundo Barroso, o STF muitas vezes deve exercer suas funções de forma “iluminista”, isto é, “empurrar a história mesmo contra vontades majoritárias”.

O ministro afirmou ser essa categoria vulnerável e desprotegida na sociedade. “Não escapará a ninguém que tenha olhos a ver e coração para sentir que a comunidade LGBT é claramente um grupo vulnerável vítima de discriminações e de violência. Sendo assim, o papel do Estado é intervir para garantir o direito dessas minorias”, disse em seu voto.

Veja o voto do Ministro Luis Roberto Barroso.

Rosa Weber

Rosa Weber reconheceu que a sociedade atual ainda é marcada pela homofobia e pela heteronormatividade. Neste sentido, existe a efetiva necessidade de instrumentos e ações destinados a neutralizar o desequilíbrio.

O pedido tem lastro no artigo 5º da Constituição, segundo o qual a lei punirá qualquer discriminação atentatório a direitos fundamentais. Entendo que o direito à própria individualidade, identidades sexual e de gênero, é um dos elementos constitutivos da pessoa humana. O descumprimento de tal comando pelo Legislativo, não obstante transcorridas três décadas desde promulgação da lei fundamental, abre via da ação por omissão, previsto na Constituição e que visa suprir vazio legislativo. No caso, a mora do poder legislativo em cumprir determinação imposta pelo artigo 5º está devidamente demonstrada”, afirmou a ministra.

De acordo com a Ministra “há coisas que são importantes que sejam ditas e reafirmadas. Há temas em que a palavra se impõe e não o silencio, este é um deles”.

Rosa Weber também sustentou que a existência de projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional para criminalizar a homofobia não é suficiente para descaracterizar a mora legislativa. “A mora do Legislativo em cumprir essa determinação está devidamente demonstrada, e há farta jurisprudência desta Casa de que a existência de projetos de lei em tramitação não afasta a mora inconstitucional que só se dá com conclusão do processo legislativo", afirmou.

Luiz Fux

Também para o Ministro Fux, a inércia legislativa é inequívoca, pois, apesar de haver diversos projetos tramitando no Congresso Nacional propondo a tipificação da homofobia como crime, os projetos não tramitam de forma contínua. Essa demora, a seu ver, exige o pronunciamento do Judiciário até que o Legislativo cumpra a determinação constitucional de defesa das minorias contra as violências da maioria.

De acordo com o Ministro, o Judiciário não está criando uma norma penal, mas apenas interpretando a legislação infraconstitucional para tratar a homofobia de forma similar ao racismo. Fux destacou que racismo é crime contra seres humanos, qualquer que seja a sua fé ou orientação sexual e, portanto, é imprescritível. “Racismo é um delito cometido contra um ser de carne e osso, seja ele integrante da comunidade LGBT, judeu ou afrodescendente. Tudo isso é racismo”, concluiu.

Veja aqui os votos da Ministra Rosa Weber e do Ministro Luiz Fux.

Cármen Lúcia

"Todos os amores são iguais."

A ministra Cármen Lúcia iniciou a votação no dia 13 de junho e acompanhou o voto do ministro relator, Celso de Mello, para enquadrar a homofobia e transfobia no conceito de racismo e aplicar a lei 7.716/89 a estas práticas. A ministra destacou que o papel do Direito é "respeitar a individualidade de cada um e igualar, em direitos, a dignidade que é própria de todo ser humano”.

Quem é o diferente? E quem marcou o que é diferente? Numa sociedade discriminatória como a que vivemos, a mulher é o diferente, o negro é o diferente, o homossexual é o diferente, o transexual é diferente. Diferente de quem traçou o modelo, porque tinha poder para ser o espelho e não o retratado”, falou Cármen Lúcia.

Veja aqui o voto da ministra Carmen Lúcia.

Gilmar Mendes

Em voto proferido após a ministra Cármen Lúcia, o ministro Gilmar Mendes acompanhou o relator. Foi o oitavo voto a reconhecer a mora legislativa do Congresso Nacional e enquadrar homofobia e transfobia como tipo penal definido na lei 7.716/89.

O ministro destacou também que o conceito de racismo previsto na Constituição Federal pode ser interpretado de forma mais amplamente. “Não vejo como se possa atribuir ao texto constitucional significado restrito, isto é, no sentido segundo o qual o conceito jurídico de racismo se divorcia dos conceitos histórico, sociológico e cultural. O que a nossa Constituição visa a coibir é a discriminação inferiorizante, a qual ela repudia com a alcunha de ‘racismo'”, disse Gilmar.

Como esperado, em voto com perfil altamente técnico, o ministro salientou pontos importantes da Teoria dos Direitos Fundamentais como a vedação da proteção insuficiente e o direito ao autodesenvolvimento (Selbstentfaltungsrecht), ambos de origem germânica. O Ministro também ressaltou que a existência de tramitação de projetos de lei que criminalizam a homofobia não afasta a mora legislativa.

Assista ao voto do Ministro Gilmar Mendes.

Ricardo Lewandowski

"NÃO OBSTANTE A REPUGNÂNCIA QUE PROVOCAM AS CONDUTAS PRECONCEITUOSAS DE QUALQUER TIPO, É CERTO QUE APENAS O PODER LEGISLATIVO PODE CRIMINALIZAR CONDUTAS"

O Ministro Ricardo Lewandowski foi o primeiro a abrir divergência dos colegas e votar contra o enquadramento da homofobia e transfobia como crime de racismo. Em seu voto, de 19 páginas, o ministro sustentou que não cabe ao Poder Judiciário criar tipos penais, tarefa que cabe ao Legislativo. Apesar disso, o Ministro reconhece que existe mora legislativa e votou no sentido de dar ciência ao Congresso Nacional para que aprove a legislação pertinente em prazo razoável.

"A extensão do tipo penal para abarcar situações não especificamente tipificadas pela norma penal incriminadora parece-me atentar contra o princípio da reserva legal, que constitui uma fundamental garantia dos cidadãos, que promove a segurança jurídica de todos", afirmou, ao concluir seu voto.

Leia na íntegra o voto do Ministro Ricardo Lewandowski

Marco Aurélio

"o céu é o limite. Não no Supremo"

O Ministro Marco Aurélio votou a matéria em tom crítico, defendendo o princípio da legalidade estrita. Já no início do voto, o ministro destacou que a atuação do Judiciário "é vinculada" à normas definidas pelo Poder Legislativo. Marco Aurélio foi o único a julgar totalmente improcedentes as ações, sem sequer reconhecer a mora do Congresso em legislar sobre o tema. Segundo o ministro, o mandado de injunção e ação direta de inconstitucionalidade por omissão não eram vias adequadas para o pedido, e argumentou que não é dever do Supremo fazer interpretação para ampliar aplicação de uma lei.

A estrita legalidade, no que direciona a ortodoxia na interpretação da Constituição em matéria penal não viabiliza ao tribunal, em desconformidade com expressa e clara restrição contida na Lei maior, esvaziar o texto literal ao criar tipos penais”, afirmou Marco Aurélio. “Não há crime sem lei, e quando a Constituição se refere a lei, é a lei no sentido formal, emanada do Congresso Nacional”. 

Dias Toffoli

"O bom seria que não houvesse a necessidade de enfrentar este tema, em pleno século 21 e no ano de 2019"

O Ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo, em voto sucinto, limitou-se a acompanhar o voto de Ricardo Lewandowski, reconhecendo a omissão legislativa, mas não enquadrando a homofobia e a transfobia como crimes.

Decisão Final sobre a Criminalização da Homofobia

Ao final, por 10 votos a 1, o Plenário reconheceu a mora do Congresso Nacional em legislar sobre homofobia e transfobia. Por 8 votos a 3, o colegiado entendeu que ambas se enquadram no artigo 20 da Lei 7.716/1989, que criminaliza o racismo.

As teses firmadas ao final do julgamento foram as seguintes, na íntegra:

1. Até que sobrevenha lei emanada do Congresso Nacional destinada a implementar os mandados de criminalização definidos nos incisos XLI e XLII do art. 5º da Constituição da República, as condutas homofóbicas e transfóbicas, reais ou supostas, que envolvem aversão odiosa à orientação sexual ou à identidade de gênero de alguém, por traduzirem expressões de racismo, compreendido este em sua dimensão social, ajustam-se, por identidade de razão e mediante adequação típica, aos preceitos primários de incriminação definidos na Lei nº 7.716, de 08/01/1989, constituindo, também, na hipótese de homicídio doloso, circunstância que o qualifica, por configurar motivo torpe.

2. A repressão penal à prática da homotransfobia não alcança nem restringe ou limita o exercício da liberdade religiosa, qualquer que seja a denominação confessional professada, a cujos fiéis e ministros (sacerdotes, pastores, rabinos, mulás ou clérigos muçulmanos e líderes ou celebrantes das religiões afro-brasileiras, entre outros) é assegurado o direito de pregar e de divulgar, livremente, pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, o seu pensamento e de externar suas convicções de acordo com o que se contiver em seus livros e códigos sagrados, bem assim o de ensinar segundo sua orientação doutrinária e/ou teológica, podendo buscar e conquistar prosélitos e praticar os atos de culto e respectiva liturgia, independentemente do espaço, público ou privado, de sua atuação individual ou coletiva, desde que tais manifestações não configurem discurso de ódio, assim entendidas aquelas exteriorizações que incitem a discriminação, a hostilidade ou a violência contra pessoas em razão de sua orientação sexual ou de sua identidade de gênero;

3. O conceito de racismo, compreendido em sua dimensão social, projeta-se para além de aspectos estritamente biológicos ou fenotípicos, pois resulta, enquanto manifestação de poder, de uma construção de índole histórico-cultural motivada pelo objetivo de justificar a desigualdade e destinada ao controle ideológico, à dominação política, à subjugação social e à negação da alteridade, da dignidade e da humanidade daqueles que, por integrarem grupo vulnerável (LGBTI+) e por não pertencerem ao estamento que detém posição de hegemonia em uma dada estrutura social, são considerados estranhos e diferentes, degradados à condição de marginais do ordenamento jurídico, expostos, em consequência de odiosa inferiorização e de perversa estigmatização, a uma injusta e lesiva situação de exclusão do sistema geral de proteção do direito.

Esse texto foi produzido em coautoria com Marcus Mendes, colaborador do Master Juris.

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