Como arruinar sua preparação para concursos em 10 passos

Baseado em minha experiência, entre os anos de 1992 e 1996, como participante de concursos públicos, como professor de curso preparatório desde 1997, e tendo em conta a grande quantidade de “concurseiros” com quem tive contato nesse período, criei um manual para quem busca a derrota. Posso garantir que basta adotar um único passo sugerido e o revés estará garantido. Mas não se acanhe: siga quantas sugestões entender adequadas ao seu objetivo, caso queira alcançá-lo mais rapidamente.

Vamos aos passos:

1. Não decida que quer ser titular de um cargo público

Deixe que decidam por você. Faça isso por seu pai, afinal ele não vive te dizendo que a carreira pública é um porto seguro? Procure agradar sua mãe, que sempre quis te ver vestindo uma toga (ou uma beca). Atenda a sua namorada, que reclama por você não ter contracheque. Ou satisfaça o seu noivo, que já avisou que só casa depois que você arrumar uma fonte de renda.

Enfim, não inicie sua preparação porque você quer um futuro melhor para sua vida, não tome essa arrojada decisão, aproveite que terceiros já decidiram por você. Aspire passar no concurso apenas para dar uma resposta a esses enxeridos, um “cala-boca”. E torça para que a aprovação venha enquanto essa motivação dure.

2. Não abra mão de nada, nem mude seus hábitos, durante a preparação

Adote como lema: “o estudo pode esperar”. Continue acessando o Facebook pelo menos oito vezes por dia, sem deixar de se envolver em debates estéreis e curtindo todas as fotos de refeições que seus amigos postarem. Aproveite e aceite convites para jogos viciantes, envolvendo-se em competições que premiam vencedores com publicação dos pontos obtidos. Que orgulho!

Continue sedentário(a). Coma sempre comidas gordurosas e, principalmente, muitos doces. Nunca foi provado que essas práticas afetam o cérebro ou prejudicam o aprendizado. Arrume desculpas constantes para não estudar, como “segunda-feira eu começo”; “tá muito calor”; “esse livro é ruim”; “concurso é tudo mutreta”… Não perca um capítulo da novela das oito ou do seu seriado preferido, afinal você precisa espairecer.

Não acorde cedo, nem estude de manhã, afinal você nunca “funcionou” nesse período. Também não estude à noite, pois você pode prejudicar sua visão com iluminação artificial. Durma bem tarde. Não tente controlar o estresse, afinal é esse “calor” que te move. Dê integral atenção a todos os problemas que seus amigos e parentes vierem te trazer, por mais fúteis que sejam. Não deixe de tomar seus tradicionais banhos demorados e despreocupados. A escassez de água do planeta não é problema seu. Além disso, você tem todo o tempo do mundo.

3. Não se preocupe com o ambiente do estudo

Qualquer lugar é lugar. Estudo não requer maiores solenidades. E daí que as crianças estão correndo em volta da mesa, gritando e pedindo atenção? Se você disser-lhes que precisa de silêncio para se concentrar, poderá traumatizá-las…

A TV está ligada? Sem problemas. Você leu em algum lugar que o processo de  memorização se torna facilitado quando o cérebro fica indo e voltando ao objeto do estudo. Ou você leu o contrário? Não importa. O local onde você está estudando é muito quente? Ótimo, o calor gera irritação e a irritação ativa os neurônios. Muito frio? Melhor, bater o queixo afastará o sono.

4. Adote leitura pontual de resumos prontos e manuais esquematizados como base do seu estudo

Esqueça os autores tradicionais e seus livros-texto, estão ultrapassados. Nenhum livro com mais de 150 páginas vai lhe ser útil, o importante é a leitura rápida e certeira. Opte por títulos como “Direito Resumido”, “Direito Triturado”, “Direito Regurgitado” e similares. Estude para passar, não para aprender, direito é bom senso e isso você tem de sobra, certo?

Direito em gráficos? Ótimo, o apelo visual é muito mais importante que o conteúdo. Direito em esquemas? Melhor ainda, a redução de conceitos e formas jurídicas a equações matemáticas facilita o aprendizado. Dê preferência a livros jurídicos multicoloridos, afinal o seu cérebro sabe  bem separar o que está em azul daquilo que está vermelho. O ideal mesmo é escolher uma cor e só ler o que está nela, assim o processo é acelerado.

Não se preocupe em estudar redigindo, afinal na primeira prova só precisará fazer um “x” na resposta certa. E caso, por um aborto da natureza, consiga passar da primeira etapa e tenha de se submeter a uma prova discursiva, alguns meses representarão tempo suficiente para você aprender a precisar conceitos jurídicos, realizar enquadramento de fato em molduras normativas, expor um raciocínio concatenado e apresentar um texto coerente e bem fundamentado, sem graves agressões à língua portuguesa. Esteja certo de que não ter lido obras jurídicas de elevado porte em nada te prejudicará nessa empreitada.

5. Se optar por fazer um curso preparatório, escolha aquele cujos professores comportam-se como comediantes, gurus ou messias

Professores que passam toda a aula expondo teoria são chatos, prefira os verdadeiros mestres: aqueles especialistas em “dicas”, “truques”, “macetes”, “bizus” e afins. Tenha certeza de que é só disso que você precisa para conseguir sua inscrição na OAB ou para se tornar juiz, promotor, procurador, delegado, defensor etc.

Professores que se comportam como apresentadores de programa de auditório são ótimos, pois, como reis do entretenimento, usam e abusam de palhaçadas e de cânticos que, segundo eles (e você não tem porque duvidar), são fundamentais no processo de memorização. Se você ouvi-los de olhos fechados e lembrar do Ratinho, do Silvio Santos ou do Lombardi, tenha a certeza de que fez a escolha certa.

Lições de auto-ajuda e táticas de messianismo durante as aulas são sempre bem-vindas, ainda que você esteja pagando pelo curso e possa encontrar mensagens similares gratuitamente no YouTube. Se o professor disser algo como “vem comigo que eu te carrego no colo até a vitória”, acredite. Ele não teria razão para mentir, e, afinal, quem não gosta de um colo?

Piadas, então, funcionam sempre. E daí que com uma mensalidade do curso você pagaria por shows de standup comedy do Fabio Porchat e do Leandro Hassum, com troco para o lanche? O professor engraçado te faz assíduo no curso e no fim você terá a ilusão de que gastou bem o seu dinheiro e o seu tempo. E a sua “verdade” é a que importa, certo?

Acredite também quando o seu curso disser que o índice de aprovação dos seus milhares de alunos em um concurso é próximo de 100%. Mesmo que, do total dos inscritos no concurso, apenas 5% tenham sido aprovados ao final, acredite que quase todos foram alunos deste curso. Ainda que a matemática peculiar do curso tenha aprovado alunos que nem mesmo fizeram as provas, não duvide. E não deixe de acreditar nisso mesmo que vários outros cursos concorrentes alardeiem idêntico percentual de sucesso de seus alunos. São uns bravateiros!

6. Não assuma suas derrotas, mas colecione-as

Seja sempre arrogante, arrume justificativas para as reprovações, variando-as de concurso para concurso: “era um concurso de cartas marcadas”; “fui sacaneado pela banca”; “caíram questões que não constavam do programa”; “não quiserem me aprovar porque sou de outro estado (ou porque sou novo, velho, gay, negro, estrábico, vascaíno, dentuço etc.)”; dentre outras causas excludentes de sua responsabilidade.

Nunca assuma que precisa estudar mais. Você estudou o suficiente e ninguém sabe mais do que você, se não quiseram te aprovar, você não pode fazer nada. Os gênios são mesmo incompreendidos.

Ao mesmo tempo, remoa suas derrotas por muito tempo, transformando-as em troféus a serem posicionados em local bem visível, de forma que não sejam esquecidas com facilidade. Não volte a estudar logo, afinal é preciso resguardar o luto. Aliás, aproveite para dar uma bela pausa no estudo, senão você acaba enlouquecendo. Passe um bom tempo sem fazer nada, você merece! Não será difícil retomar a preparação mais tarde. Pode acreditar.

7. Não se obrigue a conhecer posições divergentes e mantenha-se surdo aos argumentos opostos

São muitas as matérias para estudar e você não é obrigado(a) a conhecer todas as posições sobre os institutos jurídicos, por mais relevantes que sejam. Sua tese desmorona diante de argumentos fortes, bem apresentados e que você não pode refutar? Ignore-os e mantenha sua convicção. Retroceder é para os fracos. Morra abraçado em sua verdade, mesmo sabendo que ela não se sustenta.

Você aprendeu com o seu primeiro professor que “crime” é “fato típico e antijurídico”? Siga com essa verdade absoluta e tape os ouvidos quando ouvir alguém falando em “culpabilidade”. Te ensinaram inicialmente que são três as “ações de conhecimento”? Ridicularize quem ousar falar em “ação mandamental”. Quem esse tal Pontes de Miranda pensa que é?

Depois de estudar um instituto em seu “manual mastigado”, abstraia novas informações. Não acompanhe a jurisprudência, tampouco leia alguma obra realmente doutrinária que trate do tema. E se o examinador não aceitar a sua posição, pior para ele. Você não irá se violentar apenas para ser aprovado no concurso. Você tem integridade e não saberia se olhar no espelho depois de se humilhar expondo opiniões divergentes da sua (ainda que a “sua” seja a que alguém te transmitiu e que você adotou sem maiores indagações).

8. Abstenha-se de dar (e mesmo de ter) opinião

Não tenha convicção alguma. Siga sempre com a última corrente. Apresente-se no debate jurídico como aquele personagem do Jô Soares, no programa “Viva o Gordo”, chamado “Musso”: sempre concorde com o litigante que falou por último, mudando constantemente de lado e, no fim das contas, concordando com todos. “Coerência” é um termo dúbio, relativo. Adote um discurso gilbertiniano e, ao final de cada assertiva, lance um “ou não?!”

Nas respostas às questões discursivas, apresente todas as correntes doutrinárias e jurisprudenciais que conheça sobre o assunto indagado e não se posicione: deixe que o examinador vasculhe aquele emaranhado de informações desconexas e encontre a resposta certa. Será uma tarefa de arqueólogo, mas, que diabos!, ele ganha pra isso.

Em uma prova de sentença criminal, não condene, nem absolva. Pronuncie a prescrição, ainda que o enunciado do problema não traga datas. Na prova de sentença cível, acolha a primeira preliminar apresentada, por mais descabida que lhe pareça, e extinga o processo, para não ter de julgar o mérito da causa e acabar se comprometendo. Se, em alguma outra encarnação, conseguir chegar a uma prova oral, após cada pergunta, devolva ao examinador: “primeiro gostaria de ouvir a opinião do senhor, como jurista renomado que é…”. Nunca se arrisque a opinar sobre qualquer assunto. “Quem acha, vive se perdendo”, sua avó já dizia.

9. Não se inscreva nos concursos

Não seja cara de pau de se inscrever em um concurso – ainda que para a carreira dos seus sonhos – sem ter certeza absoluta de estar plenamente preparado para as provas. E, convenhamos, você não está.

Não importa que esteja estudando com afinco há anos, que tenha lido os livros mais importantes de cada matéria, que esteja treinando dissertações, que tenha recebido diversos elogios de colegas e professores por seu conhecimento, que venha se destacando em simulados…você sabe que não está no ponto almejado.

Você é um perfeccionista e não aceita apenas passar no concurso. Passar em primeiro lugar tampouco será suficiente. Sua prova tem de ser a mais espetacular de todos os tempos, modelo e referência para os demais candidatos, eloquente demonstração de sua erudição. Os examinadores terão de lhe pedir perdão por submetê-lo a um teste tão banal. A sua posse terá de ser individual, pois você não irá se misturar aos demais aprovados ordinários. Tratando-se de concurso para magistratura, você tomará posse direto como Ministro de alguma corte superior, pois a Justiça não poderá desperdiçar o seu talento em lides frívolas entre condôminos, cônjuges etc.

Para você o “bom” não é apenas inimigo do “ótimo”; o “bom” não existe, é uma ficção, uma lenda disseminada entre os subversivos, que são perseguidos implacavelmente pelo “ótimo”, que reina absoluto (com o apoio do PMDB). Portanto, só se inscreva em concurso quando tiver certeza de que irá fazer história, marcar época. Até lá, siga sentindo-se inferiorizado e incapaz, olhando os aprovados com a admiração e a reverência de quem nunca se sentirá apto a alcançar o sucesso.

10. No primeiro momento de desânimo… desista

Concurso não é para você e no fundo você sabe bem disso. Você nunca teve disciplina para nada e não será agora que conseguirá estudar com regularidade. A culpa não é sua. Seus pais nunca te estimularam a enfrentar desafios. Você é apenas uma vítima do meio em que cresceu e da educação que recebeu. Sim, você sabe bem que há várias pessoas que enfrentam obstáculos muito maiores e não esmorecem. Há os que trabalham das 8 às 18, cuidam de filhos e ainda arrumam tempo para estudar. Também há quem não tenha sequer dinheiro para pagar uma passagem de ônibus, mas se vira com livros emprestados, muita disposição e acaba vitorioso.

O problema é que você não sabe se quer isso. Trabalhar confinado(a) em uma repartição pública prestando serviço à sociedade? Receber vencimentos fixos? Ter férias de 30 ou 60 dias anuais? Talvez tudo isso seja muito convencional para você. Você é uma alma livre, um espírito inquieto. Empenhar tempo e esforço em busca desse objetivo não faz sentido, afinal você pode alçar vôos muito mais elevados na iniciativa privada ou em alguma atividade artística.

Portanto, quando o desânimo imperar, quando surgir o pensamento do “não vou conseguir”, desista rápido. Não perca tempo buscando motivação. E, mais à frente,  vitimize-se, atribuindo o marasmo de sua vida profissional à crise na Europa e à falta de oportunidades.

Aí está o manual. Esqueci algum ingrediente nessa receita do fracasso? Comente aí embaixo e me ajude a refinar os 10 passos, ou mesmo a acrescentar outros. Conto com a ajuda do leitor amigo.

Continue acompanhando o Master Juris para mais novidades no mundo dos concursos.

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