Comentários à LINDB: o que você precisa saber

Leia nossos comentários à Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, ou LINDB, e fique mais próximo da sua aprovação nos concursos.

Comentários à LINDB

Como vimos, a LINDB é uma norma de sobredireito, preocupando-se com a norma jurídica, e não com a tutela da pessoa humana, como faz nosso atual Código Civil. Logo, ela se dirige e é aplicada a todos os ramos do Direito, com exceção das normas especiais que lhe são contrárias.

A LINDB também é o estatuto pátrio do Direito Internacional Privado, determinando a aplicação da lei local em território estrangeiro e vice-versa. Em 2018, foi alçada à condição de garantidora da segurança jurídica e eficiência do direito público.

Como é de se notar, a LINDB é uma lei de grande interesse para a teoria geral do direito, devido à sua natureza multidisciplinar, e não apenas ao direito civil ou administrativo.

Anteriormente escrevemos um texto com análises da legislação em comento. Neste artigo, nos aprofundaremos na temática. Vamos, então, avançar aos nossos comentários à Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB)!

Norma de sobredireito

No ordenamento jurídico brasileiro, algumas leis são chamadas de “normas de sobredireito”. Um exemplo de norma dessa natureza é a Lei Complementar 95/1998, que tem por objetivo regular "a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis, conforme determina o parágrafo único do art. 59 da Constituição Federal".

As leis de sobredireito têm por objetivo a regulação de outras normas. Por isso, há quem afirme que elas são uma lei sobre lei (ou lex legum), ou seja, uma legislação que trata de outras legislações. No caso da norma acima citada, ela determinada como as normas jurídicas devem ser feitas e organizadas, por exemplo.

Outra norma de sobredireito muito importante existente em nosso ordenamento é a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, mais conhecida pela sua sigla, LINDB. Antes chamada de Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro, ou LICC, ela objetivava tratar, em tese, apenas de regras aplicáveis ao direito civil.

Hoje, inclusive devido à alteração de sua nomenclatura, sabemos que a LINDB se aplica a todos os ramos do direito. Nesse sentido, merece citação a Lei 13.655/2018, que nela incluiu disposições sobre segurança jurídica e eficiência na criação e na aplicação do direito público.

Divisão da LINDB

Apesar de não ser algo formalmente previsto, por razões didáticas, como recomenda doutrina especializada, dividiremos nossos comentários à LINDB de acordo com os temas que ela trata, a seguir especificados. Vejamos:

  1. Vigência das normas: artigos 1° e 2°;
  2. Obrigatoriedade das normas: artigo 3°;
  3. Integração das normas: artigo 4°;
  4. Interpretação das normas: artigo 5°;
  5. Aplicação da lei no tempo: artigo 6°;
  6. Aplicação da lei no espaço: artigos 7° a 19;
  7. Normas sobre segurança jurídica e eficiência na criação e na aplicação do direito público: artigos 20 a 30.

Note que a divisão acima não é perfeita. Ela, por exemplo, não contempla de maneira específica as normas de Direito Internacional Privado existentes na LINDB. Tais divisões mais específicas, contudo, não têm como serem produzidas dentro deste divisão pois essas regras são tratadas esparsamente pela legislação.

No entanto, topograficamente, a divisão ajuda bastante, especialmente para fixarmos o conhecimento. Apesar da LINDB não ser dividida em capítulos, títulos e seções, por ela sabemos onde encontramos os assuntos relacionados a cada tema.

Aproveitando a divisão acima, vamos avançar nos nossos comentários à LINDB!

1. Vigência das normas

Vigência e Vacatio Legis

Art. 1° Salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o país quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada.
§ 1° Nos Estados, estrangeiros, a obrigatoriedade da lei brasileira, quando admitida, se inicia três meses depois de oficialmente publicada.
§ 2° (Revogado pela Lei nº 12.036, de 2009).

Existência é diferente da vigência. Depois de promulgada, a lei existe, mas depende de um tempo para que as pessoas tomem conhecimento da nova norma. Após o decurso deste lapso temporal é que uma lei adquire vigência e passa a ser aplicada.

A LEI SÓ ADQUIRE VIGÊNCIA DEPOIS DA VACATIO LEGIS.

Vacatio Legis é esse lapso temporal, necessário para que as pessoas tomem conhecimento do conteúdo da novel legislação.

O artigo 1° da LINDB determina que, em solo pátrio, a vacatio é de 45 dias, quando a lei não dispõe de forma distinta, e, em solo estrangeiro, quando se admita a obrigatoriedade da aplicação da lei brasileira, três meses depois de publicada.

A esse dispositivo, deve ser combinado o §1° do artigo 8° da Lei Complementar 95/1998:

Art. 8° A vigência da lei será indicada de forma expressa e de modo a contemplar prazo razoável para que dela se tenha amplo conhecimento, reservada a cláusula "entra em vigor na data de sua publicação" para as leis de pequena repercussão.
§ 1° A contagem do prazo para entrada em vigor das leis que estabeleçam período de vacância far-se-á com a inclusão da data da publicação e do último dia do prazo, entrando em vigor no dia subseqüente à sua consumação integral.

Ou seja, mesmo que o último dia da vacato legis caia num fim de semana ou feriado, no dia seguinte, seja útil ou não, a norma entra em vigor, não havendo prorrogação para o próximo dia útil.

Caso o prazo seja estabelecido em meses ou anos, deve-se aplicar o §3° do artigo 132 do Código Civil:

Art. 132. Salvo disposição legal ou convencional em contrário, computam-se os prazos, excluído o dia do começo, e incluído o do vencimento. [...]
§ 3° Os prazos de meses e anos expiram no dia de igual número do de início, ou no imediato, se faltar exata correspondência.

Assim, se uma lei for promulgada no dia 1° de março de 2023 com vacatio legis de um ano, tal prazo restará expirado no dia 1° de março de 2024, e não no dia 29 de fevereiro do mesmo, apesar desse ser ano bissexto. A legislação, portanto, entrará em vigor no dia subsequente, ou seja, 2 de março de 2024.

Correção a texto de lei

Art. 1° [...]
§ 3° Se, antes de entrar a lei em vigor, ocorrer nova publicação de seu texto, destinada a correção, o prazo deste artigo e dos parágrafos anteriores começará a correr da nova publicação.
§ 4° As correções a texto de lei já em vigor consideram-se lei nova.

Se uma lei for promulgada com erros materiais, dependendo de correção para fixar seu real sentido, e ainda estiver no período de vacatio, pode ser feita uma nova publicação da lei com as devidas correções. Nesta hipótese, a vacatio dos dispositivos retificados, exclusivamente, volta a correr da publicação.

No entanto, se o objetivo for mudar dispositivos da legislação promulgada e ainda no prazo de vacatio, há necessidade de que seja feita uma nova lei.

Revogação, Leis Especiais e Leis Temporárias

Art. 2° Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue.
§ 1° A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.
§ 2° A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.

Pela leitura do caput, concluímos tranquilamente que o ordenamento brasileiro adotou o Princípio da Continuidade; ou seja, enquanto a lei não for modificada ou revogada, ela continua em vigor. Se uma legislação ficar 500 anos sem sofrer qualquer ato contra seu texto, ela será válida e aplicável.

No Brasil, não aplicamos o desuetudo. Ou seja, uma lei não pode ser revogada pelos costumes. Apenas uma lei pode revogar outra norma. Se a lei for temporária, contudo, ela só será aplicável pelo período determinado em seu texto, tendo revogabilidade imediata com o decurso do seu lapso temporal.

A revogação pode ser total ou parcial e revogar total ou parcialmente uma lei em vigor. À revogação total, damos o nome de "ab-rogação"; à parcial, chamamos "derrogação".

Nessa esteira, muito cuidado ao §2° do artigo 2°: uma lei nova que trata de disposições gerais não revoga a norma que, em tese, está em contrariedade, caso esta seja de uma lei especial. Ambas continuarão vigentes, uma sendo aplicada aos casos gerais e a outra, às situações especiais que regula.

Repristinação

Art. 2°. [...]
§ 3° Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência.

Nos termos do dispositivo acima, a repristinação não é aplicável de maneira automática no Brasil, dependendo de previsão expressa para isso.

Suponha que uma lei A está vigente e é revogada por uma lei B. Uma lei C revoga a Lei B anos depois. A lei A não volta a ter vigência, a não ser que a lei C assim diga expressamente.

A repristinação não se confunde com o efeito repristinatório. Utilizando o exemplo acima, esse ocorre quando uma lei é declarada inconstitucional. Assim, se o Supremo Tribunal Federal declara a nulidade da lei C, a lei B volta a vigorar em todo o ordenamento.

Exceção a essa regra existe se a decisão determinar que seus efeitos devem ser modulados ou se disser expressamente que não haverá restauração da lei revogada.

2. Obrigatoriedade das normas

Art. 3o  Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece.

Nos termos do artigo 3°, presume-se que todos conheçam as normas jurídicas. Assim, ninguém pode alegar desconhecimento da lei para deixar de aplicá-la.

Essa presunção, no entanto, é relativa. A lei, quando expressamente declarar, permite ao sujeito alegar erro de direito. Nesse sentido, extraímos do Código Penal, por exemplo, os seguintes artigos:

Erro sobre a ilicitude do fato (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Art. 21 - O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, se inevitável, isenta de pena; se evitável, poderá diminuí-la de um sexto a um terço. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Parágrafo único - Considera-se evitável o erro se o agente atua ou se omite sem a consciência da ilicitude do fato, quando lhe era possível, nas circunstâncias, ter ou atingir essa consciência.
[...]
Art. 65 - São circunstâncias que sempre atenuam a pena: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) […]
II - o desconhecimento da lei; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

No Código Civil podemos extrair os seguintes artigos, por exemplo:

Art. 139. O erro é substancial quando: […]
III - sendo de direito e não implicando recusa à aplicação da lei, for o motivo único ou principal do negócio jurídico.
[...]
Art. 1.561. Embora anulável ou mesmo nulo, se contraído de boa-fé por ambos os cônjuges, o casamento, em relação a estes como aos filhos, produz todos os efeitos até o dia da sentença anulatória.
§ 1° Se um dos cônjuges estava de boa-fé ao celebrar o casamento, os seus efeitos civis só a ele e aos filhos aproveitarão.
§ 2° Se ambos os cônjuges estavam de má-fé ao celebrar o casamento, os seus efeitos civis só aos filhos aproveitarão.

Pelo artigo 1.561 acima, se dois irmãos contraem casamento sem saberem que são irmãos, embora o ato seja nulo, como agiram de boa-fé, todos os efeitos até o dia da sentença anulatória serão válidos.

3. Integração das normas

Quando falamos em "integração da norma", conforme previsto na LINDB, estamos dizendo "preenchimento de lacunas, ou colmatação, da norma", nos termos dos comentários que seguem:

Por meio da atividade de integração da norma, o juiz dá um complemento à norma. Isso deve ser feito porque o legislador não tem como prever todas as possibilidades fáticas ao editar a norma. Ou seja, os Parlamentares, ao criarem as leis, não conseguem prever tudo o que pode acontecer no mundo real. Por isso há necessidade das regras de integração, pois omissões certamente irão surgir no dia a dia dos aplicadores do Direito e há necessidade de preenchimento desses "buracos".

Sendo assim, é vedado que o juiz deixe de julgar alegando lacuna da lei, o chamado non liquet.

Vejamos o que diz o artigo 4° da LINDB:

Art. 4o  Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.

Então, quando a lei for omissa, o juiz, para cobrir os "buracos" do ordenamento, deve aplicar, em ordem de preferência, a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito. Deve-se atentar para o fato de que esse rol é taxativo.

Além disso, tendo por base o dispositivo citado, presume-se que o juiz conheça todas as leis dos casos que lhe são levados (iura novit curia), exceto quando se tratar de direito municipal, estadual, estrangeiro ou consuetudinário, nos termos do Código de Processo Civil:

Art. 376. A parte que alegar direito municipal, estadual, estrangeiro ou consuetudinário provar-lhe-á o teor e a vigência, se assim o juiz determinar.

Visto isso, vamos então analisar os métodos de integração da norma:

A. Analogia:

É o primeiro método de colmatação que deve ser usado pelo juiz nos casos concretos. Só se pode partir para os demais se não houver como se realizar a analogia.

A analogia é o preenchimento da lacuna na lei por meio da comparação. Logo, se uma lei não prevê determinado caso específico, busca-se em outra lei a hipótese que preencha o buraco existente.

Um caso emblemático no ordenamento pátrio foi o do atual Código de Processo Civil, quando de sua vacatio legis. Assim diz seu artigo 1.045:

Art. 1.045. Este Código entra em vigor após decorrido 1 (um) ano da data de sua publicação oficial.

A Lei Complementar 95/1998, que trata "sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis", não prevê expressamente a possibilidade do prazo de vacatio legis ser previsto em anos ou meses, mas somente em dias. Por tal razão, para que fosse determinado com clareza o dia de publicação do Diploma Processual, utilizou-se por analogia o §3° do artigo 132 do Código Civil:

Art. 132. Salvo disposição legal ou convencional em contrário, computam-se os prazos, excluído o dia do começo, e incluído o do vencimento. […]
§ 3° Os prazos de meses e anos expiram no dia de igual número do de início, ou no imediato, se faltar exata correspondência.

B. Costumes

Os costumes são os usos reiterados realizados por uma comunidade. No entanto, não basta que seja uma prática comum. Ela deve ser longa, por todos realizada, pública e reiterada, devendo haver uma crença geral em sua obrigatoriedade jurídica (apesar de não ser norma tipificada).

Ou seja, para que uma prática seja tida como um costume, além de seu longo e reiterado uso público por todos no decorrer de um longo espaço de tempo, deve-se haver convicção por aquela comunidade de que sua observância é obrigatória, como se fosse verdadeira norma jurídica.

No entanto, se um costume for contra a lei (ou contra legem), o juiz não poderá aceitá-lo na colmatação do caso concreto. Isso porque nosso ordenamento veda o desuetudo, ou seja, a revogação de uma lei por um costume. No Direito Pátrio, apenas norma revoga norma.

C. Princípios gerais de Direito

Os princípios gerais de Direito são regras universalmente aceitas mas que não necessariamente estão positivadas. No Código Civil, temos três exemplos: os princípios da eticidade, da sociabilidade e da operabilidade.

Os princípios gerais de Direito auxiliam no momento de elaboração da norma e orientam a aplicação do ordenamento jurídico.

Outros exemplos de princípios gerais são a regra de ninguém ser obrigado a fazer o impossível, ninguém poder ser punido por seus pensamentos ou ninguém poder se beneficiar de sua própria torpeza.

Equidade

Apesar de não prevista na LINDB, devemos fazer comentários à equidade.

A equidade não é meio de integração da norma previsto na LINDB. No entanto, pode ser utilizada em ramos específicos do Direito ou pode haver admissão de sua aplicação em casos particulares. Logo, a equidade só pode ser aplicada quando houver previsão em lei. Isso acontece porque a equidade tem conceito vago.

A equidade pode ser utilizada, por exemplo, para que haja redução da pena de multa prevista em cláusula penal, como se vê no Código Civil:

Art. 413. A penalidade deve ser reduzida eqüitativamente pelo juiz se a obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidade for manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio.

4. Interpretação das normas

Art. 5o  Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.

A interpretação das normas é diferente da integração. Pela integração, ou colmatação, a lacuna de uma lei é preenchida. Pela interpretação, busca-se o alcance e o sentido de uma lei.

O artigo 5° estabelece que, quando interpretar, o juiz deve atender às finalidades sociais da lei. Desse modo, em toda interpretação, o magistrado deve ter em mente o impacto que a norma causará na comunidade.

5. Aplicação da lei no tempo

O artigo 6° da LINDB é consectário legal do inciso XXXVI do artigo 5° da Constituição Federal:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...]
XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;

Assim é a redação do caput do artigo 6° da LINDB:

Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.

Dando completude ao alcance do Texto Constitucional, a LINDB definiu em seus parágrafos o que são o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada:

Art. 6°. [...]
§ 1º Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou. (Incluído pela Lei nº 3.238, de 1957)
§ 2º Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por êle, possa exercer, como aquêles cujo comêço do exercício tenha têrmo pré-fixo, ou condição pré-estabelecida inalterável, a arbítrio de outrem. (Incluído pela Lei nº 3.238, de 1957)
§ 3º Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso. (Incluído pela Lei nº 3.238, de 1957)

O Direito Brasileiro consagrou expressamente a regra da irretroatividade das leis. Ou seja, leis novas não alcançam fatos pretéritos.

Essa regra, contudo, não é geral. Existe a possibilidade de que a lei tenha efeitos retroativos, desde que haja essa previsão expressa em seu texto normativo e que não sejam prejudicados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.

Adentrando a conceituação de cada instituto, o direito adquirido é aquele direito de ordem patrimonial incorporado ao patrimônio do particular. Importante ressaltar, todavia, que não existe direito adquirido em face do Poder Constituinte, tendo em vista que ele instaura uma nova ordem jurídica que extirpa da ordem jurídica o que lhe é contrário.

Por exemplo, quando da promulgação da Constituição Federal de 1988, havia algumas categorias de servidores públicos que recebiam acima do teto constitucional. Eles não puderam alegar "direito adquirido" para manterem as vantagens que recebiam, de modo que seus vencimentos tiveram que ficar dentro do limite constitucionalmente estabelecido.

A coisa julgada se trata de característica da decisão judicial contra a qual não cabe mais recurso no mesmo processo. Logo, se uma decisão interlocutória aprecia o mérito de maneira terminativa e contra ela não há interposição de recurso, ela se reveste da característica da coisa julgada.

Vale apontar, contudo, que a coisa julgada não pode violar a Constituição.

O ato jurídico perfeito, por fim, é aquele que já foi realizado, tendo todos os seus efeitos se exaurido.

Ultratividade da lei

Em continuidade aos nossos comentários sobre a LINDB, devemos ressaltar que a ultratividade da lei ocorre quando uma lei já revogada continua produzindo seus efeitos.

No Direito Penal temos diversos exemplos. O mais comum é aquele da lei benéfica: se um acusado comete um criem quando vigora uma lei material que lhe favorece e é condenado quando existe uma outra lei mais gravosa à sua situação, o juiz deve aplicar a lei anterior, pois, como aquela ajuda em sua situação, existe ultratividade, devendo ela ser aplicada em favor do condenado.

Mas a ultratividade não se limita ao Direito Penal. Por exemplo, se uma pessoa morreu quando estava em vigor o Código Civil de 1916, ainda que seu inventário seja aberto hoje, será aplicado aquele Diploma ao caso.

6. Aplicação da lei no espaço

Como regra geral, no território brasileiro só se aplica a lei nacional. Depreendemos assim num primeiro instante que, segundo a LINDB, cada país aplica em seus territórios suas próprias leis, o que importa num reconhecimento inicial da aparente aplicação do princípio da territorialidade.

Existem, no entanto, exceções, em que é admitida a aplicação da lei estrangeira em outros Estados, a denominada extraterritorialidade, como veremos a seguir em nossos comentários à LINDB. Logo, podemos afirmar que no Brasil vigora o princípio da territorialidade mitigada (ou moderada).

Nesse sentido, vale menção o artigo 17 da LINDB, que admite a aplicação de leis, atos, sentenças e declarações de vontade de outros países:

Art. 17.  As leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes.

O mesmo artigo 17 reafirma o princípio da territorialidade, pois a mitigação só ocorre no Brasil quando não ofender a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes.

Como aplicação da extraterritorialidade em território pátrio, temos na LINDB, por exemplo, a utilização do estatuto pessoal, caso em que deve ser aplicada a lei estrangeira. Vejamos:

Art. 7° A lei do país em que domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família.
§ 1° Realizando-se o casamento no Brasil, será aplicada a lei brasileira quanto aos impedimentos dirimentes e às formalidades da celebração.
§ 2° O casamento de estrangeiros poderá celebrar-se perante autoridades diplomáticas ou consulares do país de ambos os nubentes. (Redação dada pela Lei nº 3.238, de 1957)
§ 3° Tendo os nubentes domicílio diverso, regerá os casos de invalidade do matrimônio a lei do primeiro domicílio conjugal.
§ 4° O regime de bens, legal ou convencional, obedece à lei do país em que tiverem os nubentes domicílio, e, se este for diverso, a do primeiro domicílio conjugal.
§ 5° - O estrangeiro casado, que se naturalizar brasileiro, pode, mediante expressa anuência de seu cônjuge, requerer ao juiz, no ato de entrega do decreto de naturalização, se apostile ao mesmo a adoção do regime de comunhão parcial de bens, respeitados os direitos de terceiros e dada esta adoção ao competente registro. (Redação dada pela Lei nº 6.515, de 1977)
§ 6° O divórcio realizado no estrangeiro, se um ou ambos os cônjuges forem brasileiros, só será reconhecido no Brasil depois de 1 (um) ano da data da sentença, salvo se houver sido antecedida de separação judicial por igual prazo, caso em que a homologação produzirá efeito imediato, obedecidas as condições estabelecidas para a eficácia das sentenças estrangeiras no país. O Superior Tribunal de Justiça, na forma de seu regimento interno, poderá reexaminar, a requerimento do interessado, decisões já proferidas em pedidos de homologação de sentenças estrangeiras de divórcio de brasileiros, a fim de que passem a produzir todos os efeitos legais. (Redação dada pela Lei nº 12.036, de 2009).
§ 7° Salvo o caso de abandono, o domicílio do chefe da família estende-se ao outro cônjuge e aos filhos não emancipados, e o do tutor ou curador aos incapazes sob sua guarda.
§ 8° Quando a pessoa não tiver domicílio, considerar-se-á domiciliada no lugar de sua residência ou naquele em que se encontre.

As regras da LINDB sobre a aplicação da lei no espaço vão do artigo 7° ao 19. A maior parte dessas normas tem muita importância para o Direito Internacional.

Observação! Em virtude da Emenda Constitucional 66/2010, o §6° do artigo 7° da LINDB deve ser aplicado observando a nova redação do §6° do artigo 226 da Constituição Federal, que tem o seguinte texto:

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. […]
§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio.

Regras de conexão

Como visto anteriormente em nossos comentários à LINDB, para que uma lei estrangeira possa ser aplicada no território brasileiro, deve haver uma regra de conexão, a qual é chamada de estatuto pessoal. Pelo estatuto pessoal, conforme vimos no caput do artigo 7°, são aplicadas as leis do país em que domiciliada a pessoa.

O estatuto pessoal trata de uma série de assuntos, tais como personalidade, nome, capacidade, direitos de família, direitos sobre os bens particulares, obrigações, sucessões, dentre outros.

Além do artigo 7° anteriormente citado, façamos a apresentação dos artigos 8° ao 10, para demonstrar o explicado:

Art. 8°  Para qualificar os bens e regular as relações a eles concernentes, aplicar-se-á a lei do país em que estiverem situados.
§ 1°  Aplicar-se-á a lei do país em que for domiciliado o proprietário, quanto aos bens moveis que ele trouxer ou se destinarem a transporte para outros lugares.
§ 2°  O penhor regula-se pela lei do domicílio que tiver a pessoa, em cuja posse se encontre a coisa apenhada.
Art. 9°  Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituirem.
§ 1°  Destinando-se a obrigação a ser executada no Brasil e dependendo de forma essencial, será esta observada, admitidas as peculiaridades da lei estrangeira quanto aos requisitos extrínsecos do ato.
§ 2°  A obrigação resultante do contrato reputa-se constituida no lugar em que residir o proponente.
Art.  10.  A sucessão por morte ou por ausência obedece à lei do país em que domiciliado o defunto ou o desaparecido, qualquer que seja a natureza e a situação dos bens.
§ 1° A sucessão de bens de estrangeiros, situados no País, será regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, ou de quem os represente, sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do de cujus. (Redação dada pela Lei nº 9.047, de 1995)
§ 2°  A lei do domicílio do herdeiro ou legatário regula a capacidade para suceder.

No entanto, antes de se aplicar a regra do estatuto pessoal, devemos nos atentar ao que diz a Constituição Federal. Afinal, os países são soberanos, de modo que aplicar uma norma externa que desrespeite nossa Lei Maior e soberania não é aceitável. Sendo assim, deve ser feita a denominada “filtragem constitucional”, para que se admita a aplicação das leis estrangeiras em nosso país.

Suponha que venha residir no Brasil um sujeito que vem de um país que permite que as pessoas se casem múltiplas vezes. Ele tem dez esposas. Aqui no Brasil, só se admite um casamento. Logo, pelo menos nove uniões não serão reconhecidas. Mas em seu Estado de origem, todas são aceitas sem problemas.

Nesse mesmo exemplo, como o sujeito fixou domicílio no Brasil, caso venha a falecer, em obediência ao artigo 10, a sucessão seguirá as regras pátrias, de modo que nove esposas não poderão suceder nessa condição.

Como podem ver, o tema é polêmico. Corroborando, vide o Tema 529 de Repercussão Geral do Supremo Tribunal Federal:

A preexistência de casamento ou de união estável de um dos conviventes, ressalvada a exceção do artigo 1.723, § 1º, do Código Civil, impede o reconhecimento de novo vínculo referente ao mesmo período, inclusive para fins previdenciários, em virtude da consagração do dever de fidelidade e da monogamia pelo ordenamento jurídico-constitucional brasileiro.

Feitas essas observações, continuemos nossos comentários à LINDB, analisando outros casos trazidos pela lei e vendo como se dão a aplicação conforme nosso ordenamento. Como veremos, nessas hipóteses é admitida a aplicação da lei estrangeira sem que haja atenção ao estatuto pessoal. Ou seja, a norma externa é aplicada independentemente de onde esteja domiciliada a pessoa.

A. Conflitos envolvendo bens imóveis

Vejamos o que diz o §1° do artigo 12 da LINDB:

Art. 12.  É competente a autoridade judiciária brasileira, quando for o réu domiciliado no Brasil ou aqui tiver de ser cumprida a obrigação.
§ 1° Só à autoridade judiciária brasileira compete conhecer das ações relativas a imóveis situados no Brasil.

Em complemento, relembremos o que diz o caput do artigo 8°, que trata dos bens em geral, móveis e imóveis:

Art. 8° Para qualificar os bens e regular as relações a eles concernentes, aplicar-se-á a lei do país em que estiverem situados.

Assim, podemos afirmar claramente que, quanto aos bens imóveis, aplica-se a lei do local em que estejam situados.

Corroborando o afirmado, vejamos o inciso I do artigo 23 do Código de Processo Civil, que segue no mesmo sentido apresentado:

Art. 23. Compete à autoridade judiciária brasileira, com exclusão de qualquer outra:
I - conhecer de ações relativas a imóveis situados no Brasil;

B. Lugar da obrigação

Conforme vimos no caput do artigo 9° da LINDB em nossos comentários anteriores, são aplicadas as obrigações as regras do país em que se constituírem. Para determinarmos onde a obrigação resultante de contrato foi constituída, consideraremos o local onde reside o proponente, nos termos do §2° do artigo 9°:

Art. 9° Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituirem.
[...]
§ 2° A obrigação resultante do contrato reputa-se constituida no lugar em que residir o proponente.

Contudo, caso a obrigação deva ser cumprida no Brasil e dependa de forma essencial, deve haver observância a esta, sendo admitidas as peculiaridades da lei estrangeira.

Por exemplo, se o proponente de uma obrigação contratual realizada no exterior for adquirir um imóvel no Brasil em virtude dela, deve respeitar as formalidades necessárias para que o ato se aperfeiçoe.

Nessa esteira, ressaltamos em nossos comentários à LINDB que, se o proponente for algum Estado estrangeiro, a aquisição não poderá se concretizar, conforme regra prevista no §2° do artigo 11 do próprio Diploma:

Art. 11. As organizações destinadas a fins de interesse coletivo, como as sociedades e as fundações, obedecem à lei do Estado em que se constituirem.
[…]
§ 2° Os Governos estrangeiros, bem como as organizações de qualquer natureza, que eles tenham constituido, dirijam ou hajam investido de funções públicas, não poderão adquirir no Brasil bens imóveis ou susceptiveis de desapropriação.

Note também que nem mesmo por desapropriação os Governos Estrangeiros podem adquirir imóveis no Brasil.

C. Análises envolvendo sucessão

Inicialmente, ao falarmos de sucessão, devemos nos atentar ao país em que tem domicílio o herdeiro ou legatário, pois ela regula a capacidade para suceder. É o que nos diz o §2° do artigo 10 da LINDB:

Art. 10 [...] § 2° A lei do domicílio do herdeiro ou legatário regula a capacidade para suceder.

Ou seja, se a lei brasileira disser que determinada pessoa tem capacidade para suceder, mas a lei do país em que está domiciliada afirmar que ela não tem, ela não será herdeira ou legatária no Brasil.

Em segundo lugar, devemos observar que a sucessão deve obedecer à lei do país em que domiciliado o defunto ou desaparecido, independente dele ter bens no Brasil ou em outros Estados. Isso é o que diz o caput do artigo 10:

Art.  10.  A sucessão por morte ou por ausência obedece à lei do país em que domiciliado o defunto ou o desaparecido, qualquer que seja a natureza e a situação dos bens.

Caso o falecido ou desaparecido tenha bens no Brasil, contudo, aplica-se a lei brasileira à sucessão dos mesmos, desde que em benefício ao cônjuge ou filhos do de cujus. Logo, se a lei do domicílio do de cujus for mais favorável a eles, essa é a regra que será aplicada, conforme nos diz o §1° do artigo 10 da LINDB:

Art. 10. § 1º A sucessão de bens de estrangeiros, situados no País, será regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, ou de quem os represente, sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do de cujus. (Redação dada pela Lei nº 9.047, de 1995)

Homologação de decisão estrangeira

Para que uma decisão estrangeira seja cumprida no Brasil, deve haver previamente homologação do Superior Tribunal de Justiça.

A alínea “e” do artigo 15 da LINDB possui uma imprecisão, como explicaremos em nossos comentários. Vejamos:

Art. 15.  Será executada no Brasil a sentença proferida no estrangeiro, que reuna os seguintes requisitos:
a) haver sido proferida por juiz competente;
b) terem sido os partes citadas ou haver-se legalmente verificado à revelia;
c) ter passado em julgado e estar revestida das formalidades necessárias para a execução no lugar em que foi proferida;
d) estar traduzida por intérprete autorizado;
e) ter sido homologada pelo Supremo Tribunal Federal.

Apesar do texto falar em “Supremo Tribunal Federal, devemos obedecer o que diz a alínea “i” do inciso I do artigo 105 da Constituição Federal, que tem a seguinte redação:

Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:
I - processar e julgar, originariamente:
i) a homologação de sentenças estrangeiras e a concessão de exequatur às cartas rogatórias; (Incluída pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

Ou seja, até a entrada da Emenda Constitucional 45/2004, realmente era o Supremo Tribunal Federal que concedia exequatur às decisões estrangeiras. No entanto, desde a mudança, a competência cabe ao Superior Tribunal de Justiça.

O artigo 15 acima citado traz os requisitos para o exequatur, ou seja, a execução de sentença estrangeira no país. Ocorre que o Código de Processo Civil veio a dar tratamento distinto ao tema. Hoje, não apenas sentenças, mas qualquer decisão pode ser aplicada no Brasil caso cumpra as regras, inclusive laudos arbitrais estrangeiros. Vejamos alguns dispositivos do Diploma Processual Civil:

Art. 960. A homologação de decisão estrangeira será requerida por ação de homologação de decisão estrangeira, salvo disposição especial em sentido contrário prevista em tratado.
§ 1º A decisão interlocutória estrangeira poderá ser executada no Brasil por meio de carta rogatória. [...]
§ 3º A homologação de decisão arbitral estrangeira obedecerá ao disposto em tratado e em lei, aplicando-se, subsidiariamente, as disposições deste Capítulo.
Art. 961. A decisão estrangeira somente terá eficácia no Brasil após a homologação de sentença estrangeira ou a concessão do exequatur às cartas rogatórias, salvo disposição em sentido contrário de lei ou tratado.
§ 1º É passível de homologação a decisão judicial definitiva, bem como a decisão não judicial que, pela lei brasileira, teria natureza jurisdicional.
§ 2º A decisão estrangeira poderá ser homologada parcialmente.
§ 3º A autoridade judiciária brasileira poderá deferir pedidos de urgência e realizar atos de execução provisória no processo de homologação de decisão estrangeira. [...]
Art. 962. É passível de execução a decisão estrangeira concessiva de medida de urgência. [...]
§ 2º A medida de urgência concedida sem audiência do réu poderá ser executada, desde que garantido o contraditório em momento posterior. [...]
Art. 963. Constituem requisitos indispensáveis à homologação da decisão:
I - ser proferida por autoridade competente;
II - ser precedida de citação regular, ainda que verificada a revelia;
III - ser eficaz no país em que foi proferida;
IV - não ofender a coisa julgada brasileira;
V - estar acompanhada de tradução oficial, salvo disposição que a dispense prevista em tratado;
VI - não conter manifesta ofensa à ordem pública.
Parágrafo único. Para a concessão do exequatur às cartas rogatórias, observar-se-ão os pressupostos previstos no caput deste artigo e no art. 962, § 2°.

Nos termos do inciso IV do artigo 963 do Código de Processo Civil, relembrando, deve haver uma filtragem constitucional para que as decisões estrangeiras possam ser cumpridas no Brasil.

É importante também a atenção ao que diz o artigo 962 acima: o Diploma Processual Civil atual permite que decisões estrangeiras não definitivas possam ser executadas sem necessidade de que o Superior Tribunal de Justiça as confira o exequatur.

Assim, concluímos nesses comentários que atualmente temos regras importantes sobre o tema e que estão fora da LINDB - mas que não retiram a importância dessa legislação por isso.

Territorialidade X extraterritorialidade

Como vimos em nossos comentários à LINDB, a princípio vigora no Brasil o princípio da territorialidade, ou seja, as leis de cada país são aplicadas em seus respectivos territórios.

No entanto, o Estado admite a aplicação de leis e sentenças estrangeiras em seus territórios, ou seja, em certos casos, admitimos a aplicação da extraterritorialidade. Por isso dizemos que no Brasil vigora o princípio da territorialidade mitigada.

Dos artigos 7° ao 19 da LINDB, temos regras de grande importância aos direitos internacionais público e privado. Assim, é comum que alguns doutrinadores chamem essa parte de Estatuto do Direito Internacional.

Para finalizarmos essa parte, citamos alguns desses artigos que tratam da territorialidade e da extraterritorialidade:

Territorialidade:

Art. 8o  Para qualificar os bens e regular as relações a eles concernentes, aplicar-se-á a lei do país em que estiverem situados. [...]
Art. 9o  Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituirem. [...]
Art. 11.  As organizações destinadas a fins de interesse coletivo, como as sociedades e as fundações, obedecem à lei do Estado em que se constituirem. [...]
Art.  13.  A prova dos fatos ocorridos em país estrangeiro rege-se pela lei que nele vigorar, quanto ao ônus e aos meios de produzir-se, não admitindo os tribunais brasileiros provas que a lei brasileira desconheça.

Extraterritorialidade:

Art. 7o  A lei do país em que domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família. [...]
art. 9°. [...] § 1o  Destinando-se a obrigação a ser executada no Brasil e dependendo de forma essencial, será esta observada, admitidas as peculiaridades da lei estrangeira quanto aos requisitos extrínsecos do ato. [...]
Art.  10.  A sucessão por morte ou por ausência obedece à lei do país em que domiciliado o defunto ou o desaparecido, qualquer que seja a natureza e a situação dos bens. [...]
Art. 11. [...] § 1o  Não poderão, entretanto ter no Brasil filiais, agências ou estabelecimentos antes de serem os atos constitutivos aprovados pelo Governo brasileiro, ficando sujeitas à lei brasileira. [...]
Art. 12.  É competente a autoridade judiciária brasileira, quando for o réu domiciliado no Brasil ou aqui tiver de ser cumprida a obrigação.

7. Normas sobre segurança jurídica e eficiência na criação e na aplicação do direito público

Adentramos agora em nossos comentários no estudo dos artigos 20 a 30 da LINDB.

Relembrando, a LINDB é uma norma de sobredireito. Portanto, ela tem como objetivo a regulação de outras normas.

Como vimos, o campo de aplicação da LINDB se estende para todos os ramos do Direito. Aqui veremos sua utilização em face do Direito Administrativo, explicando, por exemplo, como devem ser feitas as interpretações dessas normas de direito público e como ocorre o uso delas na prática.

Os artigos que seguem são amplamente criticados por diversos órgãos, entidades, doutrinadores, dentre outros, por razões diversas. Uma delas é a de que o Projeto de Lei que foi aprovado não contou com a participação da sociedade civil, dos órgãos de controle, de representantes do Poder Judiciário e do Ministério Público. Então muita atenção ao conteúdo aqui tratado! Vamos lá!

Proibição de decisões com base em valores jurídicos abstratos

No Direito, de uma maneira geral, temos normas-regras e normas princípios, ambas sendo válidas como parâmetro de aplicação das normas.

No campo do Direito Administrativo, isso não é diferente. No entanto, como a Administração Pública deve obediência à estrita legalidade, não podendo fazer nada que a lei não permita, a aplicação das normas assume uma feição peculiar.

Em regra, quando o administrador público fará uso de uma norma-regra, ele deve aplicá-la com base nos princípios de Direito Administrativo. Ou seja, se a aplicação da regra violar algum dos princípios, ele deve buscar outro modo de aplicá-la.

A princípio, isso parece bom. O problema é que os princípios possuem grande caráter de abstração. Ou seja, a depender do caso concreto, o administrador público pode dar a aplicação que quiser a determinada norma-regra dizendo estar amparado em determinada norma-princípio.

Não é que isso não aconteça em outros ramos do direito, mas na seara Administrativista, isso é mais flagrante. Assim, editaram o artigo 20 da LINDB, que possui a seguinte redação:

Art. 20. Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)
Parágrafo único. A motivação demonstrará a necessidade e a adequação da medida imposta ou da invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, inclusive em face das possíveis alternativas. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)

Como a supremacia do interesse público é uma das pedras de torque do Direito Administrativo, as consequências práticas analisadas na decisão devem levar em consideração os anseios do povo. Corroborando isso, o parágrafo único acima diz que a motivação deve demonstrar a necessidade e a adequação do ato.

Ou seja, ao motivar, o administrador público não pode mais decidir com base apenas em razões principiológicas. Ele deve avaliar, tendo por base os elementos de Direito Administrativo e os que estão nos processos de tomada de decisões, quais serão as consequências práticas da medida.

Para alguns, no entanto, o dispositivo é infeliz por não vedar absolutamente a aplicação de valores jurídicos abstratos. Afinal, se o administrador público, com base exclusivamente nesses, tomar uma decisão com análise prévia nos efeitos práticos da mesma, o ato será válido, ainda que sem amparo de normas-regras.

Importante apontar que tal decisão se aplica nas esferas administrativa, controladora e judicial. Logo, mesmo o juiz deve levar em consideração os aspectos práticos ao tomar decisões em processos judiciais que refletem no âmbito da Administração Público, como em ações civis públicas.

Assim, podemos afirmar que esse dispositivo também objetiva evitar o denominado "ativismo judicial". Afinal, inúmeras são as decisões tomadas pelos Tribunais contra as Administrações Públicas com base em valores jurídicos abstratos, como os princípios constitucionais.

Para alguns, com a novidade legal, o Legislador reagiu de maneira retrógrada à força normativa dos princípios constitucionais.

Críticas ao artigo 20

Os artigos 20 a 30 da LINDB, de uma maneira geral, são bastante criticados. Há uma boa corrente que defende que, ao invés de trazerem segurança jurídica, como era o objetivo, fizeram o inverso.

Nesse aspecto, sustentam que o Legislador foi infeliz ao introduzir essas novidades na LINDB, a começar pelo próprio artigo 20. Este defende que as decisões de âmbito administrativo não podem ser tomadas com base em "valores jurídicos abstratos". No entanto, diversos novos artigos trazem várias expressões abstratas.

Nessa esteira, temos nos novéis dispositivos expressões como “segurança jurídica de interesse geral”, “interesses gerais da época”, "modo proporcional e equânime”, “obstáculos e dificuldades reais do gestor”, “orientação nova sobre norma de conteúdo indeterminado”, dentre outros. Tudo isso em apenas onze artigos.

Assim, o próprio Legislador devia ter dado segurança aos novos dispositivos, e não uma maior insegurança, através da introdução de diversos valores jurídicos abstratos na LINDB.

Além disso, o artigo pode padecer de vício de inconstitucionalidade. O tema ainda não chegou ao Supremo Tribunal Federal, mas o Tribunal de Contas da União, no Parecer n° 012.028/2018-5, já arguiu a tese.

Segundo o órgão, o dispositivo viola o parágrafo único do artigo 70 da Constituição Federal, o qual possui o seguinte texto:

Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder.
Parágrafo único. Prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

Ou seja, segundo o Tribunal, o artigo está invertendo o ônus da prova de maneira irregular, pois ele pertence originalmente ao administrador público. Afinal, o agente público, quando pratica o ato, deve demonstrar quais as outras alternativas possíveis, escolhendo, dentre elas, a melhor.

Além dessa, o Tribunal de Contas invoca outra razão: o julgador deve decidir com base nos elementos constantes nos autos. Logo, não pode a norma determinar que o juiz analise as possibilidades para o caso concreto. Ainda de acordo com o órgão, corroborando e trazendo à tona a realidade prática, nem mesmo órgãos administrativos judicantes, como a própria Corte, conhecem a realidade de cada órgão e entidade pública por completo.

Decisões que invalidem ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa

Façamos agora comentários ao artigo 21 da LINDB:

Art. 21. A decisão que, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, decretar a invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa deverá indicar de modo expresso suas consequências jurídicas e administrativas. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)
Parágrafo único. A decisão a que se refere o caput deste artigo deverá, quando for o caso, indicar as condições para que a regularização ocorra de modo proporcional e equânime e sem prejuízo aos interesses gerais, não se podendo impor aos sujeitos atingidos ônus ou perdas que, em função das peculiaridades do caso, sejam anormais ou excessivos. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)

Portanto, quando uma decisão administrativa, controladora ou judicial determinar a invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, devem ser especificadas as consequências jurídicas e administrativas da mesma. Ou seja, o julgador deve considerar as situações jurídicas que já estão constituídas e as consequências da decisão para todos os envolvidos.

Para que um julgador não se exima de julgar, ante as dificuldades práticas que podem surgir em cada caso concreto, ou para evitar danos excessivos aos que estejam de boa-fé envolvidos, o próprio artigo 21 previu uma regra de regularização em seu parágrafo único.

Assim, supondo uma hipótese em que obras não concluídas foram feitas para a Administração Pública, caso haja invalidação do ato que as determinou, pode haver pagamento de indenização ao contratado de boa-fé.

Interpretação de normas sobre gestão pública

Façamos agora comentários ao artigo 22 da LINDB:

Art. 22. Na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)
§ 1º Em decisão sobre regularidade de conduta ou validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, serão consideradas as circunstâncias práticas que houverem imposto, limitado ou condicionado a ação do agente. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)
§ 2º Na aplicação de sanções, serão consideradas a natureza e a gravidade da infração cometida, os danos que dela provierem para a administração pública, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes do agente. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)
§ 3º As sanções aplicadas ao agente serão levadas em conta na dosimetria das demais sanções de mesma natureza e relativas ao mesmo fato. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)

O caput do artigo 22 traz para a LINDB o denominado "primado da realidade", ou seja, as realidades práticas vivenciadas pelos administradores, com base especial nas dificuldades vividas. Logo, quando houver julgamento dos atos que envolvem gestão pública pelos Tribunais de Contas, por exemplo, deve haver consideração dos obstáculos e dificuldades encarados pelo gestor.

O artigo também não é despido de críticas: muitos doutrinadores defendem que a previsão não pode servir como um pretexto a favor de administrações irresponsáveis. Por exemplo, se uma Administração não apresentar seus balanços por não ter contadores em seus quadros, ela pode querer justificar tal fato tendo por base o artigo 22, considerando a omissão um obstáculo real. Antes do dispositivo, certamente os órgãos julgadores ignorariam tal alegação, pois este obstáculo é previamente conhecido.

Em relação ao §1° do artigo 22, novamente, o Tribunal de Contas da União vislumbra a possibilidade de uma inconstitucionalidade no Parecer n° 012.028/2018-5. Segundo a Corte, ele viola o artigo 37, caput, da Constituição Federal, por ser o administrador vinculado à legalidade, e ofende a razoabilidade.

A validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa é aferida na própria lei. As circunstâncias que os impuseram, nessa esteira, são irrelevantes para que eles sejam aferidos, pois baseados nas normas jurídicas em vigor. No entanto, as circunstâncias podem ser consideradas para fins de avaliação da culpabilidade do administrador.

Para que um ato administrativo nulo, por exemplo, seja convalidado, devem haver razões de pacificação social e estabilização das relações jurídicas consolidadas, o que requer uma análise muito aprofundada da questão. Caso isso não seja possível de se demonstrar, a legalidade deve ser restaurada e a declaração de nulidade, imposta.

De acordo com o Tribunal de Constas da União, o §1° trouxe uma possibilidade bem menos restrita. Portanto, deve ser declarada inconstitucional.

Interpretação ou orientação nova e regime de transição

Inicialmente, façamos uma leitura do artigo 23 da LINDB:

Art. 23. A decisão administrativa, controladora ou judicial que estabelecer interpretação ou orientação nova sobre norma de conteúdo indeterminado, impondo novo dever ou novo condicionamento de direito, deverá prever regime de transição quando indispensável para que o novo dever ou condicionamento de direito seja cumprido de modo proporcional, equânime e eficiente e sem prejuízo aos interesses gerais.

Nos termos do dispositivo trazido, em havendo uma nova interpretação ou orientação, deve haver um regime de transição para que a mesma seja aplicada, desde que indispensável para que um novo dever ou condicionamento estabelecido seja cumprido de modo proporcional, equânime, eficiente e sem prejuízo aos interesses gerais.

Essa nova interpretação ou orientação, ressalta-se, deve cair sobre norma de conteúdo indeterminado.

Tal modelo de norma não é novidade em nosso ordenamento. O Código de Processo Civil, no §3° do artigo 927, traz dispositivo de conteúdo relevante que retrata com clareza a provável intenção do legislador com o artigo 23 da LINDB. Vejamos:

Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão: [...]
§ 3º Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica.

Uma crítica que se faz é sobre quem deve analisar sobre o regime de transição e como será assinalado o prazo de sua duração. Afinal, o juiz não é administrador e não soa razoável que o administrador determine um prazo em face de ato movido contra ele próprio.

Segundo o Tribunal de Contas da União, é outro artigo que pode padecer de vício de inconstitucionalidade. Afinal, assim determina o inciso IX do artigo 71 da Constituição Federal:

Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete: [...]
IX - assinar prazo para que o órgão ou entidade adote as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, se verificada ilegalidade;

Logo, quem deve delimitar um prazo é a Corte.

Além disso, sustenta que o artigo cria para o Tribunal um novo condicionamento não previsto no artigo 71 da Constituição Federal, o que amplia a mácula, pois uma norma infralegal estaria criando atribuição que cabe à norma constitucional.

O Ministério Público Federal, na Nota Técnica Conjunta n° 1/2018, critica o dispositivo alegando que a decisão não tem como impor novo dever ou condicionamento, já que eles são anteriores à decisão. Para o Parquet, ao menos na esfera judicial, o "regime de transição" não faz sentido.

Revisões de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa completos devem considerar as orientações de seu tempo

É o que prevê o artigo 24 da LINDB:

Art. 24. A revisão, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, quanto à validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa cuja produção já se houver completado levará em conta as orientações gerais da época, sendo vedado que, com base em mudança posterior de orientação geral, se declarem inválidas situações plenamente constituídas. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)
Parágrafo único. Consideram-se orientações gerais as interpretações e especificações contidas em atos públicos de caráter geral ou em jurisprudência judicial ou administrativa majoritária, e ainda as adotadas por prática administrativa reiterada e de amplo conhecimento público. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)

Como é de se imaginar, os processos, sejam administrativos ou judiciais, costumam ter um lapso temporal demorado de seu início à decisão final. Nesse intervalo, pode ser que algum entendimento ou orientação sofra alteração. Para evitar que isso acarrete em celeumas, o artigo 24 determina que a análise do ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa completos, ou seja, finalizados, leve em conta as orientações da época em que praticados.

Para o Ministério Público Federal, na Nota Técnica Conjunta n° 1/2018, o dispositivo possui expressões genéricas e de conteúdo indeterminado, de modo que nem o parágrafo único delimita apropriadamente o que são as denominadas "orientações gerais". Ainda segundo o Parquet, o dispositivo traz mais espaço para convalidação de normas inexistentes ou nulas. Assim, ele fere os princípios constitucionais estampados no caput do artigo 37 da Constituição Federal.

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

Veto ao artigo 25 da LINDB

O artigo 25 da LINDB foi vetado. Essa seria sua redação:

Art. 25. Quando necessário por razões de segurança jurídica de interesse geral, o ente poderá propor ação declaratória de validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, cuja sentença fará coisa julgada com eficácia erga omnes.
§ 1º A ação de que trata o caput deste artigo será processada conforme o rito aplicável à ação civil pública.
§ 2º O Ministério Público será citado para a ação, podendo abster-se, contestar ou aderir ao pedido.
§ 3º A declaração de validade poderá abranger a adequação e a economicidade dos preços ou valores previstos no ato, contrato ou ajuste.

De acordo com o Ministério Público Federal, a norma subverte a função constitucional do Parquet ao colocá-lo no polo passivo de ação civil pública, sendo, portanto, inconstitucional.

Nas razões de veto, contudo, consideraram que essa ação declaratória poderia acarretar em excessivas demandas judiciais injustificadas. Além disso, ainda nas razões, o dispositivo violaria o Princípio Constitucional da Independência e o da Harmonia entre os Poderes em virtude da atuação judicial no que não é de sua competência.

Eliminação de irregularidade, incerteza jurídica ou situação contenciosa na aplicação do direito público

Segue a redação do artigo 26:

Art. 26. Para eliminar irregularidade, incerteza jurídica ou situação contenciosa na aplicação do direito público, inclusive no caso de expedição de licença, a autoridade administrativa poderá, após oitiva do órgão jurídico e, quando for o caso, após realização de consulta pública, e presentes razões de relevante interesse geral, celebrar compromisso com os interessados, observada a legislação aplicável, o qual só produzirá efeitos a partir de sua publicação oficial. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)
§ 1º O compromisso referido no caput deste artigo: (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)
I - buscará solução jurídica proporcional, equânime, eficiente e compatível com os interesses gerais; (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)
II – (VETADO); (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)
III - não poderá conferir desoneração permanente de dever ou condicionamento de direito reconhecidos por orientação geral; (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)
IV - deverá prever com clareza as obrigações das partes, o prazo para seu cumprimento e as sanções aplicáveis em caso de descumprimento. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)

O dispositivo permite que a administração pública celebre com particulares um compromisso com o objetivo de evitar irregularidades, incertezas jurídicas ou situações contenciosas (processos judiciais). Para que o acordo seja celebrado, deve haver previamente consulta ao órgão jurídico, ou seja, à procuradoria do estado ou do município ou à Advocacia Geral da União.

Imposição de compensação por benefícios indevidos ou prejuízos anormais ou injustos

É o que prevê o artigo 27 da LINDB:

Art. 27. A decisão do processo, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, poderá impor compensação por benefícios indevidos ou prejuízos anormais ou injustos resultantes do processo ou da conduta dos envolvidos. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)
§ 1º A decisão sobre a compensação será motivada, ouvidas previamente as partes sobre seu cabimento, sua forma e, se for o caso, seu valor. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)
§ 2º Para prevenir ou regular a compensação, poderá ser celebrado compromisso processual entre os envolvidos. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)

O artigo e seus parágrafos têm como objetivo evitar que as partes envolvidas tenham benefícios indevidos ou sofram prejuízos anormais ou injustos. Assim, por exemplo, se o produto fornecido após o devido processo licitatório tem seu valor aumentado em virtude de insumo necessário para sua produção, que vem do exterior e está submetido à variação do dólar, cabe a celebração de compromisso processual para que haja a compensação e o particular não sofra prejuízo.

Responsabilidade do agente público

Assim prevê o artigo 28 da LINDB:

Art. 28. O agente público responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)

Esse dispositivo é muito criticado pelos operadores do direito. Por exemplo, segundo o Tribunal de Contas da União, nos termos do dispositivo aprovado, "[...] o agente público pode ser negligente, imprudente e imperito que nada lhe acontecerá, pois estará isento de responsabilidade" (Parecer n° 012.028/2018-5).

O dispositivo vai na contramão de legislações prévias, que exigem agentes públicos diligentes, peritos e prudentes, como o que quer o §1° do artigo 1° da Lei de Responsabilidade Fiscal:

Art. 1° Esta Lei Complementar estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal, com amparo no Capítulo II do Título VI da Constituição.
§ 1° A responsabilidade na gestão fiscal pressupõe a ação planejada e transparente, em que se previnem riscos e corrigem desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas, mediante o cumprimento de metas de resultados entre receitas e despesas e a obediência a limites e condições no que tange a renúncia de receita, geração de despesas com pessoal, da seguridade social e outras, dívidas consolidada e mobiliária, operações de crédito, inclusive por antecipação de receita, concessão de garantia e inscrição em Restos a Pagar.

Além disso, vai de encontro ao §6° do artigo 37 da Constituição Federal:

Art. 37. [...]
§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

O artigo da LINDB abranda o regime constitucional, pois a Carta Magna não delimita a medida de culpa que deve ter o agente público.

Além disso, causa problemas o uso da expressão "agente público". Afinal, ela abrange magistrados? Caso a resposta seja positiva, ela vai de encontro ao que determina o inciso I do artigo 143 do Código de Processo Civil:

Art. 143. O juiz responderá, civil e regressivamente, por perdas e danos quando:
I - no exercício de suas funções, proceder com dolo ou fraude;

Ainda, finalizando a análise do artigo 28, nas palavras doo Ministério Público Federal:

A norma vai de encontro à jurisprudência pacificado do Superior Tribunal de
Justiça, segundo a qual “a defesa particular do agente por procurador público configura
improbidade administrativa, salvo se houver interesse convergente da Administração” (Resp
12299779/MG)

Portanto, temos aqui mais uma previsão problemática.

Edição de atos normativos por autoridade administrativa e consulta pública

Vejamos o que determina o artigo 29 da LINDB:

Art. 29. Em qualquer órgão ou Poder, a edição de atos normativos por autoridade administrativa, salvo os de mera organização interna, poderá ser precedida de consulta pública para manifestação de interessados, preferencialmente por meio eletrônico, a qual será considerada na decisão. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)
§ 1º A convocação conterá a minuta do ato normativo e fixará o prazo e demais condições da consulta pública, observadas as normas legais e regulamentares específicas, se houver. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)

A redação do dispositivo é bastante didática. A ideia por detrás do artigo 29 é de trazer maior transparência aos atos do Poder Executivo.

Aumento da segurança jurídica na aplicação das normas

Vejamos o que diz o artigo 30 da LINDB:

Art. 30. As autoridades públicas devem atuar para aumentar a segurança jurídica na aplicação das normas, inclusive por meio de regulamentos, súmulas administrativas e respostas a consultas. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)
Parágrafo único. Os instrumentos previstos no caput deste artigo terão caráter vinculante em relação ao órgão ou entidade a que se destinam, até ulterior revisão. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)

Este é outro artigo com redação didática. Como ele esclarece, sua ideia é de aumentar a segurança jurídica no âmbito da Administração Pública.

Finalizamos aqui nossos comentários à LINDB

Enfim terminamos nossos comentários à LINDB. Em breve voltamos com mais novidades!

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