A constitucionalidade do sacrifício de animais em cultos de religiões de matriz africana

STF declarou a constitucionalidade de lei gaúcha

O Supremo Tribunal Federal (STF), por unanimidade de votos, declarou a constitucionalidade da Lei n° 12.131, de 22 de julho de 2004, do estado do Rio Grande do Sul (RS), que permite o sacrifício de animais em cultos religiosos de matriz africana.

Sobre a Lei n° 12.131/2004

A Lei n° 12.131/2004 acrescentou parágrafo único ao art. 2° do Código Estadual de Proteção aos Animais, Lei n° 11.915, de 21 de maio de 2003, no sentido de dispor que o sacrifício animal é permitido quando realizado no livre exercício de cultos e liturgias das religiões de matriz africana.

Então, a partir da Lei n° 12.131/2004, o art. 2° do Código de Proteção aos Animais do Estado do Rio Grande do Sul passou a ter a seguinte redação:

Art. 2º - É vedado:

I - ofender ou agredir fisicamente os animais, sujeitando-os a qualquer tipo de experiência capaz de causar sofrimento ou dano, bem como as que criem condições inaceitáveis de existência;

II - manter animais em local completamente desprovido de asseio ou que lhes impeçam a movimentação, o descanso ou os privem de ar e luminosidade;

III - obrigar animais a trabalhos exorbitantes ou que ultrapassem sua força;

IV - não dar morte rápida e indolor a todo animal cujo extermínio seja necessário para consumo;

V - exercer a venda ambulante de animais para menores desacompanhados por responsável legal;

VI - enclausurar animais com outros que os molestem ou aterrorizem;

VII - sacrificar animais com venenos ou outros métodos não preconizados pela Organização Mundial da Saúde - OMS -, nos programas de profilaxia da raiva.

Parágrafo único - Não se enquadra nessa vedação o livre exercício dos cultos e liturgias das religiões de matriz africana. (Incluído pela Lei n° 12.131/2004)

Tratamento da matéria pelo STF

No dia 28 de março de 2019, o Plenário do STF julgou o Recurso Extraordinário (RE) 494.601, no qual se discutia a constitucionalidade da Lei n° 12.131/2004.

Para contextualizar, salienta-se que o RE 494.601 foi interposto pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul contra decisão do TJ-RS, que negou pedido de declaração da inconstitucionalidade da Lei Estadual n° 12.131/2004.

A sessão de julgamento do RE foi marcada por discursos em defesa da liberdade e da tolerância religiosa, além de ter contado com a presença de inúmeros representantes de religiões de matriz africana.

No julgamento, o STF negou provimento ao RE 494.601 e fixou tese no sentido de que “É constitucional a lei de proteção animal que, a fim de resguardar a liberdade religiosa, permite o sacrifício ritual de animais em cultos de religiões de matriz africana”.

Visando esclarecer o que corroborou para a decisão do STF ter seguido essa direção, traz-se um resumo dos votos de alguns dos ministros.

Teses apresentadas

O ministro Edson Fachin reconheceu a validade do texto da Lei n° 12.131/2004, votou pelo não provimento do RE e salientou que o fato da norma legal fazer referência apenas às religiões de matriz africana não traz a mácula da inconstitucionalidade, uma vez que a utilização de animais em ritos religiosos é intrínseca a essas celebrações. O ministro ressaltou, ainda, que deve ser conferida maior proteção legal aos praticantes dessas atividades religiosas, pois eles são constantemente alvos de estigmatização e preconceito.

A ministra Rosa Weber também votou no sentido de negar provimento ao RE e citou que o fato da lei só mencionar as religiões de matriz africana está ligado ao fato dessas religiões sofrerem com a intolerância e serem estigmatizadas por adotarem rituais que empregam o abate animal.

De forma semelhante, a ministra Cármen Lúcia entendeu que a ressalva direcionada especificamente às religiões de matriz africana tem por escopo o combate ao preconceito que ainda paira na nossa sociedade em relação aos praticantes dessas religiões.

Por sua vez, o ministro Luís Roberto Barroso destacou que, nesses casos, o sacrifício animal não visa o entretenimento, mas sim o exercício da liberdade religiosa, que é um direito fundamental. Além disso, afirmou que, de acordo com as tradições das religiões de matriz africana, são adotadas técnicas para que a morte do animal seja rápida e indolor. O próprio ministro disse, ainda, que as sustentações orais contribuíram para um melhor entendimento sobre a matéria.

Por fim, o ministro Luiz Fux entendeu pela constitucionalidade da norma e afirmou que, com o exemplo jurisprudencial que eles estavam construindo naquele julgamento, o STF iria dar um basta na caminhada de violência e de atentados cometidos contra as casas de cultos de matriz africana.

No mais, o ministro Dias Toffoli,acompanhou a maioria dos votos pelo desprovimento do RE 494.601.

Conclusões

Não restam dúvidas de que a liberdade religiosa é um direito fundamental e que deve ser assegurada, mas essa decisão do STF ensejou um interessante debate envolvendo o contraponto da proteção animal.

Vimos que na decisão foi levado em consideração que, nos ritos das religiões de matriz africana, o sacrifício de animais se dá sem que haja maus tratos, ou seja, apesar do resultado ser a morte desses animais, são adotadas técnicas que visam uma morte sem sofrimento.

Então, surge o seguinte questionamento: para que seja permitido o sacrifício de animais em rituais religiosos, é necessário que haja a adoção de procedimentos que assegurem uma morte indolor? Essa é uma questão juridicamente complexa, porque sabemos que a liberdade religiosa é um direito que deve ser assegurado. Mas será que se uma religião adotar o abate animal sem observar técnicas que prezem pela morte sem dor, essa prática não estará sob o manto de proteção da liberdade religiosa? Ademais, qual seria o parâmetro objetivo que determinaria o que é uma morte animal indolor? Enfim... são questões sensíveis, mas o importante é fomentar sempre que possível a reflexão crítica.

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