130 anos da Constituição Republicana

trecho inicial da Constituição de 1891

Em 18 de novembro de 1889, três dias após a derrubada de D. Pedro II pelos militares, o jornalista republicano Aristides Lobo escreveu, num célebre artigo publicado no jornal Diário Popular, que não houve povo nesse episódio histórico: “O povo assistiu àquilo bestializado, atônito, surpreso, sem conhecer o que significava. Muitos acreditaram seriamente estar vendo uma parada militar”.

A recém-criada República passou a ser governada provisoriamente por uma junta militar chefiada pelo marechal Deodoro da Fonseca, sendo que a legalidade plena seria restaurada apenas em 24 de fevereiro de 1891, um ano e três meses depois da Proclamação da República, com a instalação da Assembleia Constituinte e promulgação da Constituição Republicana, que completa 130 anos.

Contexto e antecedentes históricos

A Constituição de 1891, estabeleceu as bases políticas sobre as quais o país se ergue até os dias de hoje: a República, o presidencialismo, os três Poderes e o federalismo. Até então, os fundamentos políticos do país eram bem diferentes. Como Monarquia parlamentarista, o Brasil tinha imperador e primeiro-ministro. Diferentemente dos Estados atuais, as antigas províncias não possuíam autonomia política, administrativa ou financeira e seus dirigentes eram apontados pelo Império. Havia, ainda, um quarto poder, o Poder Moderador, que era exercido diretamente pelo imperador e atuava como mediador entre os demais Poderes, prevalecendo também sobre eles.

No entanto, no final do ano de 1989, as bases de sustentação do regime monárquico estavam profundamente desgastadas. Contribuíram para a crise do regime monárquico as intervenções do Estado nas questões religiosas (o Brasil era um país oficialmente católico e o Estado possuía alguma ingerência sobre questões religiosas), a “questão militar” e a emancipação dos escravos sem indenização ao ex-proprietários.

Por estas e outras razões, o movimento republicano ganhou corpo no país, desde o começo da década de 1870. Dom Pedro II estava muito envelhecido, e a opinião pública tinha aversão ao
seu genro estrangeiro, o Conde D’Eu, como possível futuro governante.

Na campanha republicana, aliaram-se políticos civis, de diversas inclinações ideológicas, e
militares, numa união precaríssima, condenada a desfazer-se pouco depois da proclamação da
República. Adeptos do federalismo que antes apoiavam a monarquia, como Ruy Barbosa e Joaquim Nabuco, também aderiram ao movimento republicano, justificando a adesão pela dificuldade de implantação da federação no regime monárquico.

Foram os militares, sob a chefia de Deodoro da Fonseca, que promoveram o movimento que
resultou na Proclamação da República. Neste movimento, praticamente não houve participação
popular. O povo não passou de mero espectador da Proclamação da República, não tendo também uma participação massiva na Constituinte de 1890-1891.

Entre as raras vozes da sociedade que conseguiram se manifestar na Constituinte de 1890-1891, estiveram o Apostado Positivista e a Igreja Católica, ambos por meio de carta. Os seguidores do positivismo (filosofia na época em voga que pregava que só a ciência garantiria o progresso da humanidade) recomendaram aos parlamentares que ficassem atentos para não cair em “utopias comunistas”. Os religiosos, por sua vez, não gostaram de ver o catolicismo perdendo o status de religião oficial do Brasil e os subsídios dos cofres públicos.

“A separação violenta, absoluta e radical não só entre a Igreja e o Estado, mas entre o Estado e toda religião, perturba gravemente a consciência da nação e produzirá os mais funestos efeitos, mesmo na ordem das coisas civis e políticas. Uma nação separada oficialmente de Deus torna-se ingovernável e rolará por um fatal declive de decadência até o abismo, em que a devorarão os abutres da anarquia e do despotismo”, escreveu o arcebispo primaz do Brasil, D. Antônio de Macedo Costa.

No entanto, os católicos não foram ouvidos. Além da separação entre Estado e Igreja, a Constituição de 1891 determinou que o casamento religioso não teria mais validade pública, valendo para fins oficiais apenas o casamento civil.

O Senado também passou por alterações. Os senadores deixaram de ter cargos vitalícios e passaram a ter mandato limitado. O STF que, durante o império era quase decorativo, ganhou funções institucionais importantes.

Charge mostra chegada de 1891 e da Constituição (imagem: Biblioteca Nacional Digital)

Apesar de a escravidão ter sido abolida apenas três anos antes, a Assembleia Constituinte não tocou na situação dos antigos escravizados, que foram libertados sem ganhar nenhum tipo de compensação ou apoio do poder público. A escravidão foi citada, por exemplo, quando um constituinte parabenizou o governo por incinerar todos os registros públicos relativos à posse de escravizados e também quando um político de Campos (RJ) afirmou que a Lei Áurea havia levado sua cidade à ruína econômica.

Alguns parlamentares chegaram até a questionar se o povo teria condições intelectuais para escolher os presidentes da República. Apesar desse tipo de raciocínio, a Constituição fpo promulgada prevendo a eleição direta para presidente. Grande parte dos ex-escravizados, contudo, foi alijada desse direito, já que a Carta republicana negou o voto aos analfabetos, como já faziam as leis do Império desde 1881. O deputado Lauro Sodré (PA) tentou, sem sucesso, permitir que os analfabetos votassem:

— Estamos em uma fase social que se acentua pela elevação do proletariado. Se lançarmos os olhos para os povos civilizados, havemos de ver que em todos eles se vai levantando a grande massa. Chamem-na socialismo, niilismo ou fenianismo, um só é o fenômeno social: o advento do Quarto Estado. Não posso dar o meu voto a este verdadeiro esbulho com que se tenta ferir todos os que não sabem ler nem escrever, ainda que trabalhem tanto na obra do progresso da nação quanto aqueles que tiveram a fortuna de aprender a assinar o seu nome.

As províncias do Império, que se transformaram nos estados da República (imagem: Biblioteca do Senado)

As oligarquias das províncias, que seriam transformadas em Estados se valeram da Assembleia Constituinte para tentar obter o máximo possível de prerrogativas e benesses. Sugeriu-se que o governo federal assumisse as dívidas de todos os estados, que os governos locais tivessem o poder para abrir bancos emissores de papel-moeda e que cada governador indicasse um ministro para o Supremo Tribunal Federal. Outra ideia debatida foi a liberdade para que os estados criassem suas próprias leis civis, processuais, comerciais, eleitorais e até penais.

Quase nenhuma destas ideias vingou. Em compensação, as oligarquias conseguiram incluir na Constituição a criação dos Judiciários estaduais (antes só havia o Judiciário nacional) e a concessão das terras devolutas aos estados (antes pertenciam à União) e a adoção de códigos de processo civil estaduais.

Traços essenciais da Constituição Republicana de 1891

Conforme aponta Daniel Sarmento, a Constituição de 1891 era a encarnação, em texto legal, do liberalismo republicano e moderado que havia se desenvolvido nos EUA. A influência norte-americana foi sentida até na mudança do nome do país, que passou a se chamar oficialmente de “Estados Unidos do Brasil”. O texto aprovado em 1891 foi o mais enxuto de todas as constituições que tivemos: 90 artigos no corpo permanente, acrescidos de 9 dispositivos nas disposições transitórias.

A federação era concebida como “união perpétua e indissolúvel das suas antigas Províncias” (art. 1º). Cada uma delas passava a constituir um Estado, dotado de autonomia política e financeira, e com poder para elaborar a sua constituição e as suas leis (art. 63). Os Estados deveriam prover as necessidades dos seus governos com os recursos que arrecadavam. Suas competências eram as remanescentes (art. 65, §2º), pois a Constituição fixava expressamente apenas aquelas atribuídas à União. O modelo de federalismo era o dual, também vigente nos Estados Unidos, de separação entre as esferas federal e estadual, com pouco espaço para a cooperação entre elas. A autonomia dos municípios foi garantida no texto constitucional (art. 68), mas não se lhes conferiu a estatura de entidade federativa

O sistema de governo escolhido foi o presidencialista, mais uma vez inspirado no constitucionalismo americano. O Poder Legislativo era bicameral, composto de Câmara de Deputados e Senado, onde a Câmara representava o povo, tendo cada Estado um número de deputados proporcional à sua população (art. 28, §1º), enquanto o Senado, que era presidido pelo Vice-Presidente da República, representava os Estados (art. 30), sendo composto por três senadores de cada unidade da federação. Deputados e senadores eram eleitos diretamente, sendo o mandato daqueles de 3 anos, e o destes últimos de 9 anos. No Senado, haveria renovação a cada triênio de um terço da representação.

O Poder Executivo era exercido pelo Presidente da República que cumulava as funções de Chefe de Estado e de Chefe de Governo. Presidente e Vice eram eleitos por sufrágio direto e universal e maioria absoluta de votos, para mandatos de 4 anos, vedada a reeleição para o período imediatamente subsequente (arts. 43 e 47). Na ausência de candidatos que alcançassem a maioria absoluta, realizar-se-ia no Congresso uma nova eleição, entre os dois candidatos mais votados (art. 47, §2º).

O Poder Judiciário também foi organizado em bases federativas, com uma Justiça Federal e outra Estadual, novidade no Brasil. Na cúpula de todo o sistema, o Supremo Tribunal Federal, que fora criado um ano antes, pelo Decreto nº 510, com inspiração na Suprema Corte norte-americana. O Tribunal era composto por quinze juízes escolhidos pelo Presidente e aprovados pelo Senado entre cidadãos de notável saber e reputação ilibada (art. 56). Note-se que o texto constitucional aludia ao “notável saber”, não exigindo expressamente que esse fosse jurídico, o que, no governo de Floriano Peixoto, chegou a dar margem a escolhas pelo Presidente de pessoas sem formação em Direito.

Havia também previsão do controle de constitucionalidade das leis, que acabara de ser instituído pelo Decreto nº 848 do Governo Provisório, e passou a ter assento constitucional. O modelo adotado foi o norte-americano de controle difuso e concreto: todos os juízes e tribunais exerciam o controle e podiam deixar de aplicar leis e outros atos normativos a casos concretos que lhes fossem submetidos, quando as normas contrariassem a Constituição.

Os direitos políticos foram concedidos aos cidadãos brasileiros maiores de 21 anos, excluindo-se os analfabetos, os mendigos, os praças militares e os integrantes de ordens religiosas que impusessem renúncia à liberdade individual (art. 70). Manteve- se a abolição do voto censitário, que já fora determinada pelo Decreto nº 200-A do Governo Provisório. Não houve qualquer referência restritiva expressa às mulheres no texto constitucional, mas a discriminação de gênero era tão enraizada que sequer se discutia se elas podiam ou não votar ou se candidatar: nem precisava ser dito que as mulheres não tinham direitos políticos, pois isto seria “natural”.

No plano dos direitos individuais, o art. 72 incorporou um vasto elenco de liberdades públicas, como as de religião, de expressão, de associação, de reunião, de locomoção e profissional. Naturalmente, a propriedade foi garantida “em toda a sua plenitude” (§17). Diversas garantias penais e processuais foram previstas, como a ampla defesa, o juiz natural, a pessoalidade da pena, e a proibição das sanções de banimento, galés e de morte, salvo, no último caso, em tempo de guerra. Foi constitucionalizado o habeas corpus, cabível “sempre que o indivíduo sofrer ou se achar em iminente perigo de sofrer violência, ou coação, por ilegalidade ou abuso de poder” (§22), funcionando também como um mandado de segurança e dando margem para a denominada "doutrina do habeas corpus". A Constituição de 1891 não demonstrou nenhuma sensibilidade para o social, estatuindo apenas direitos individuais defensivos, voltados à limitação do poder estatal.

Por fim, em relação aos mecanismos de reforma, a Constituição de 1891 era rígida. O art. 90 da Carta estabelecia o procedimento para as alterações constitucionais: considerava-se proposta a reforma constitucional quando (a) fosse apresentada por pelo menos um quarto dos membros da Câmara ou do Senado, e fosse aceita, em três discussões, por dois terços dos votos em ambas as casas; ou (b) quando a mudança fosse solicitada por dois terços das Assembleias Legislativas dos Estados, que decidiriam por maioria, no decurso de um ano. Aceita a proposta, seria ela aprovada se obtivesse, no ano seguinte, a anuência de, no mínimo, dois terços dos votos nas duas casas do Legislativo Federal. Ademais, tal Constituição consagrava limites materiais para o poder de reforma: vedava qualquer projeto tendente a abolir “a forma republicana federativa, ou a igualdade de representação dos Estados no Senado” (art. 90, §4º).

Referências:

  • Direito constitucional: teoria, história e métodos de trabalho / Cláudio Pereira de Souza Neto, Daniel Sarmento. Belo Horizonte, Fórum, 2019.
  • Constituição de 1891

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